domingo, 29 de junho de 2014

Descanso do Guerreiro


Chegou a hora! Para uma boa parte do grupo é amanhã, o grande dia! Que venham as férias!!!

Este texto segue carinhosamente para todos os queridos Professores: para os que irão descansar a partir de amanhã, para os que ainda enfrentarão uma quinzena “na lida”, e para aqueles que, desde que a Copa do Mundo começou, já estão em casa...

Bem, ajeitei-me na cadeira onde me sento para digitar as palavras ditadas pelo meu coração. É sempre a mesma cadeira, à mesma mesa, a mesma música de fundo (por acaso é esta que vocês devem estar ouvindo se ligaram o volume ao visitarem a página). Uns segundinhos de olhos fechados... Eu queria pedir a Deus por vocês, em oração...

Peço, então, que Deus os abençoe profundamente, carinhosamente, especialmente, se é que não é redundante pedir assim, deste jeito, uma bênção a Ele.

Desejo dias de paz, de descanso. Sei que muitos aproveitarão esse período para trabalhar – em casa, nos seus segundos empregos, em comunidades, enfim – mas, mesmo assim, meu desejo é de que estejam em paz.

Penso que Deus deve se orgulhar sobremaneira dos seus filhos que fizeram a opção de serem Professores. Sim, é verdade! Não foi também Jesus um verdadeiro Pedagogo? Não tivesse Ele, lá, Seus dons, e muita gente se dispersaria diante de Suas palavras...

Hoje é domingo, um domingo quase igual ao outros, não tem “cara” de férias. Mas amanhã, quando o despertador se calar ao passar por aquela hora que só vocês e ele conhecem, será sim, um dia especial: vocês virarão para o outro lado da cama, arrumarão seus travesseiros, cobertas, pijamas, maridos, esposas, filhos, gatos, cachorrinhos – cada um com seu parceiro! – e voltarão a dormir. Quinze minutos a mais, que sejam! Serão abençoados!

Acordar sem pensar no que fazer: oh, que maravilha! Passar dias, ainda que poucos, sem precisar pensar no que será do dia de amanhã.

Tudo é muito pouco na rotina de um Professor, e bem sei disto, Professora que sou. Nosso salário é pouco, nosso tempo é curto, nossos direitos são quase nenhum. São poucos os quinze dias de férias no meio de um ano letivo com duzentos dias. Mas é o que temos por ora, e importa que saibamos aproveitar cada minuto, porque essa paradinha, ainda que ínfima, pode ser revigorante para quem sabe usufruir dela.

Então, Professores, permitam-se! E, só de pensar em pedir a Deus por vocês, lá fui eu tendo algumas ideias: o que vocês podem fazer nesses quinze dias? Hum...


*    Visitem seus pais. Ou tios. Ou avós. Procurem alguém da família, aquele parente mais velho, mais distante, que não veem faz tempo! Certamente há muitas e longas histórias para ouvirem, e depois contarem, quem sabe até para seus alunos? Ah, e vocês podem buscar por fotografias antigas da família, e podem registrar essa delícia de encontro em fotos emocionantes, também.


*    Cozinhem. A internet está cheia de opções, desde as receitas mais fáceis, para os inexperientes, às mais inusitadas, que requerem tempo e paciência, coisa que andou lhes faltando nesses últimos dias, por conta da sobrecarga de trabalho, talvez. Experimentem o prato junto às pessoas que mais amam. Convidem!


*    Nadem. Piscinas aquecidas são a saída nesses tempos de inverno, mas nada se compara à beleza do mar. Há quanto tempo não dão umas braçadas? Esperem o dia certo, o Sol sempre faz o convite, ordenando que o mar se acalme. Sentem-se na areia. Sintam a areia. Conversem com as ondas. Peçam a Deus a permissão para entrarem. Mergulhem. Conversem com Deus. E não se sintam loucos, vocês não serão os únicos!


*    Vão à feira. Comprem frutas, legumes e verduras fresquinhos. Pechinchem! Barganhem com os vendedores, isto é extremamente divertido! Reparem bem em seus discursos, em suas defesas. Observem como está cheio de gente inteligente fora da escola. Vocês podem fazer o mesmo em qualquer lugar onde haja gente que pode não ter estudado como vocês.


*    Escrevam cartas. Escolham um, ou dois, ou três destinatários e façam esta surpresa maravilhosa. Bem, eu nem preciso me alongar explicando o que seria isto. Apenas peço que vocês se imaginem recebendo uma carta, escrita à mão, de um amigo. Dá para preverem a emoção, não dá?


*    Durmam. O corpo precisa de descanso, de sono. É fato que não recuperamos dias e noites mal dormidos, mas, se nessa quinzena isto lhes for possível, deem ao corpo o tempo de que ele precisa. Tirem aquele cochilo gostoso após o almoço, ou mesmo no meio do dia, quando sentirem vontade...

Bem, eu listaria aqui mais coisas, mas cada um sabe de si, de sua vida, dos seus projetos para as férias. Minha intenção única foi a de lembrar a vocês de algumas coisas que podem passar despercebidas nesses dias...

O mais importante é o meu desejo de que Deus esteja presente ao seu lado, em qualquer escolha que vocês façam. Que Ele lhes fale ao coração em cada momento de intimidade – seja na praia, na cama, na escrivaninha, ao fogão, na feira – e que vocês, com ouvidos atentos, ouçam e creiam, e se fortaleçam todos os dias, até chegar a hora do retorno às salas de aula, e que essa força em vocês permaneça.

Quinze dias passarão muito rápido, sabemos. Mas podem significar muito mais em suas vidas.

Agradeço a Deus por nossa escolha: Professores que somos, responsáveis por fazer valer os dias de nossos meninos e meninas. Por fazer valer cada dia dos nossos meninos e meninas, e por garantir – ao menos, permitir garantir – que seus dias tenham valor pelo resto de suas vidas.

Boas férias, Professores! E que Deus nos permita voltarmos às nossas escolas, às nossas salas de aula, aos nossos alunos, renovados de uma esperança que só Ele pode alimentar.

Amém?

Karla Pontes.
karlarodriguespontes@yahoo.com.br




segunda-feira, 16 de junho de 2014

Quando tem que acontecer



Só conheciam as vozes, um do outro. Uma ligação por engano – ele para a casa dela – fez com que os dois se ouvissem. E gostaram do que ouviram.

Ele realmente se enganou, desacostumado que estava dessas ligações em telefone fixo. Precisou atender a um pedido de retorno na secretária eletrônica. Pôs números a mais? Trocou pares por ímpares? Foram números a menos? Não sabe. Já não quer mais saber. Ela atendeu, e pronto.

Ela ainda pede desculpas pela forma rude com a qual atendeu à chamada dele: “O que é, agora?”, disse, com tom firme, pensando ser, novamente, ligação de outra pessoa. Ele prontamente desculpou-se, identificou-se e, tendo percebido o equívoco, sugeriu desligar o telefone. Ela, envergonhada, desculpou-se (ali foi a primeira vez) e sorriu. Ele retribuiu o sorriso. Pediu que se acalmasse. E, quando olharam o relógio, estavam conversando fazia alguns minutos!

Era noite. Desligados os aparelhos, os dois, simultaneamente, respiraram, sorriram de si mesmos, estranharam o acontecimento, levantaram-se do sofá e, enquanto jantavam o que havia no micro-ondas, tentavam imaginar a figura do outro da voz bonita...

Mas o pensamento não os deixou à mesa da cozinha. Há muito não conversavam com alguém tão agradável. Quanta coincidência! Que coisa mais esquisita! E, duvidosos – e estranhamente alegres – adormeceram em suas camas grandes demais para o tamanho de sua solidão.

Falaram-se durante toda a semana. Sempre no mesmo horário: às 20h15min, aquele mesmo horário da primeira ligação. Mas já não se tratava de engano algum: Era Carlos que ligava para Ana. Ou Ana, que surpreendia Carlos, discando primeiro.

Com quantos anos de idade se se apaixona? Sim, aquele amor bobo, de tremer o corpo ao ouvir um “alô” (como era costume dele) ou um “pronto” (como era costume dela)? Carlos já havia passado dos cinquenta anos. Ana tinha exatamente quarenta e seis. Ao final daquela semana, tendo sonhado, os dois, com as possibilidades do que seria o outro, tendo ouvido no rádio do carro as músicas que o outro sugerira, tendo perdido a hora no banho, nos sonhos, no café, à mesa da cozinha, no sofá depois de terminada a conversa, começaram a pensar nisto: em estarem apaixonados, um pelo outro. Coisa boa!

As conversas foram, pouco a pouco, tomando consistência: Carlos começou a confessar a ela das vezes em que o café esfriava sobre a mesa, das distrações ao volante – que perigo! – da sua curiosidade em saber como ela era. Ana retribuía-lhe o carinho da confissão: revelou pensar muito nele, também. Disse que acordava e dormia ao som da sua música preferida. Carlos sugeriu, então, um encontro.

Do outro lado da linha, uma Ana muda. Fingiu ter caído a ligação. Colocou o fone no gancho: “ele quer me conhecer”, pensou.

Ana já conhecia bastante de Carlos. Sabia que ele malhava na mesma academia de uma amiga dela (eles moravam a trinta quilômetros de distância, um do outro), que cuidava do corpo, que se alimentava bem. Carlos parecia ser, verdadeiramente, um homem bonito, elegante. Ela já havia dito a ele que não ligava para essas coisas, que estava acima do peso, que era descuidada em sua alimentação. E, diante do convite para conhecerem-se de fato, titubeou.

Até que ouviu o alarme de recado na secretária eletrônica. Era um recado dele, de Carlos: “Ana, quero o encontro, porque estou apaixonado por você. Mas respeito sua decisão. Durma com Deus.”

Ana afogou-se no meio das almofadas do sofá da sala. Chegou a hora de vê-lo de perto, de sentir seu cheiro. Ria, roía as unhas, olhava-se no espelho. Não, aquele não era o século vinte e um. Não, aquela história... Se contasse, ninguém acreditaria! Beliscou-se, com infantilidade: estava viva. Sim, estava viva, estava apaixonada – completamente apaixonada – e era correspondida! Dentro de casa, na pequena sala onde só cabia o sofá e a mesinha do telefone (para que mais?), pôde ter quinze anos outra vez: fechou os olhos e arriscou abraçar Carlos. E beijou-lhe o rosto, ainda que sua intenção fosse outra. Até que o apito da chaleira a acordou daquele sonho, que estava mais para plano de ação. Foi para a cozinha, preparou e tomou seu chá preferido, ajeitou-se na cama e dormiu.

Manhã de quinta-feira. Ana levantou-se num pulo só. E fez as contas do tempo que restava para ter Carlos ao telefone, novamente. Já não quer mais dominar-se: quer o encontro. Quer sentir o perfume de Carlos e tentar adivinhar qual é (Ana é boa nisto).

Carlos olhava-se no espelho, duvidoso entre fazer ou não a barba. Olhava os dois vidros de perfume sobre a bancada e decidia qual usar no sábado. Tentava imaginar a roupa que Ana usaria para o encontro, certo de que ela diria “sim”, que aceitaria o convite. Olhou o relógio e fez as contas do tempo que restava para ter Ana ao telefone.

O dia e a tarde se passaram arrastadamente: cada minuto contado, desatenção total no que se tinha que fazer aquele dia. Troco esquecido no jornaleiro da banca perto da casa dele, e no restaurante onde ela almoça. Quem lembraria? Quem estaria pensando noutra coisa, senão um no outro?

Carlos, a caminho dos cinquenta e um anos de idade, é um menino nervoso, ansioso e inseguro. Ana, aos quarenta e seis, está com taquicardia. Amor!

Não preciso dizer que às 20h15min o telefone dos dois dava ocupado. Ela resolveu esperar um pouco, e foi só colocar no gancho, que tocou. Ela disse “pronto!”, ele disse “oi!”, ela respondeu “onde, e a que horas?”... Marcado o encontro, então, para a noite daquele sábado.

A sexta-feira não existiu. Haviam combinado de não se falarem aquele dia. Emoção acumulada – propositadamente? – para o momento de estarem pessoalmente um com o outro. Ana nem se lembra se trabalhou, aquele dia. Não lembra o que vestiu, o que lanchou, que chá tomou antes de ir dormir. Carlos não sabe com quantas pessoas esteve. Só se lembra de uns berros de uns motoristas nuns carros próximos ao seu, no trajeto de ida e volta para casa. Acha que fez algumas “barbeiragens”, perfeitamente perdoáveis, bem sabemos.

Quando Ana chegou ao restaurante, Carlos havia reservado a mesa: próxima da varanda, de onde se podia ver, ainda, o sol se pondo. O que Ana viu foi meio luz, meio Carlos. Ana gostou do que viu.

Percebendo Ana se aproximar da mesa, Carlos viu meio luz, meio Ana. E Carlos gostou do que viu.

Aquele sol se pondo fez a interseção do encontro dos corpos do casal apaixonado. E pôs-se a tempo, para que a lua viesse, e terminasse o serviço de embalar-lhes a noite. Carlos era, realmente, um belo homem: alto, esguio, de ombros retos e mãos grandes. Ana estava ainda mais bonita – porque feliz – com o novo corte de cabelo que havia experimentado.

Olhando Ana a falar nervosamente, Carlos não a interrompia. Naturalmente homem, reparava-lhe as curvas. Sim, Ana estava acima do peso. E ele nunca tinha estado com uma mulher tão interessante e bela! Podia fechar os olhos, já. Já a tinha decorado: linda, Ana! Ela falava, enquanto Carlos agradecia a Deus por ter esperado por ela.

Carlos falava pouco. Ana já lhe adivinhara o perfume. Ria em pensamentos. E agradecia a Deus por estar diante daquilo tudo que ela sempre desejou ter, bem diante dos seus olhos. Agradecia por ter esperado por ele.

Quando tem que acontecer, acontece. Só conheciam as vozes, um do outro. Agora, estavam ali. A lua perdeu a hora, velando os dois. O céu movimentou-se, para que o sol tomasse o seu trono de rei, novamente. O garçom fez uns barulhos estranhos, para que aqueles dois percebessem que o restaurante estava fechando. Já era domingo. Sorriram para o garçom, Carlos pagou a conta. Era hora de cada um ir para a sua casa e esperar o telefone tocar, às 20h15min.