quarta-feira, 12 de junho de 2013

Obediência


Então, sejamos obedientes às ordens do mundo, para que nele possamos viver:

Exploremos as florestas e desmatemos tudo o que de verde encontrarmos nela. Abarrotemos nossas carretas com o que há da melhor madeira possível. Se for preciso, matemos índios, essa raça é desnecessária à vida.

Ofereçamos dinheiro – pouco, não é preciso que seja muito! – para que animais de ruas sejam exterminados.

Poluamos as águas dos lagos, rios e mares. Matemos os peixes e, se preciso, todos os seres que vivem sob a água.

Lembremos também de escurecer os céus dos nossos lugares com as fumaças pretas dos nossos cigarros, automóveis e fábricas.

Trabalhemos arduamente, para que estejamos cada vez mais longe de nossa casa. Deixemos os nossos filhos com babás, ou em creches.

Compremos comida congelada. Para que fazê-las? Resta-nos tão pouco tempo quando chegamos a casa! Aproveitemos para assistir à TV.

Acompanhemos com fidelidade os programas de televisão que listam a violência cometida na cidade aquele dia. Aqueles que repetem inúmeras vezes o tiro levado durante o assalto, o corpo ao chão, baleado pela polícia, a cara do rapazinho que esfaqueou a sogra, a cara – ainda que protegida por recursos da informática – da menininha que matou a mãe para poder receber o seguro de quinze mil reais. E troquemos de canal quantas vezes for preciso, para que o assaltante, o esfaqueado, a estuprada e o corpo ao chão nos apareçam várias, várias vezes repetidas.

Quando os “jornais” terminarem, assistamos apaixonados às novelas. Não percamos um só capítulo: tem o do triângulo amoroso, tem o do divórcio, tem o do filho drogado, tem o do negro empregado do branco, tem o do político corrupto que sempre se dá bem, tem o do trabalhador honesto que sempre se dá mal.

Durante os intervalos, não conversemos com nossos pares: olhos fixos na tela, desejemos ter o corpo da mocinha ou do mocinho do comercial. Aquele corpo impecável, bronzeadíssimo e seminu, não importa que a propaganda divulgue creme dental.

Corramos para a internet e nos certifiquemos de que há saldo suficiente na conta bancária para fazer a lipoaspiração sonhada. Em caso negativo, verifiquemos se há limite para um crédito consignado para tal fim. Marquemos a consulta. Operemos amanhã.

Se o comercial for do carro do ano, sonhemos em tê-lo. Passeando daquele mesmo jeito pelas ruas vazias do Centro do Rio de Janeiro ou de São Paulo, sem qualquer ameaça de roubo ou violência. Ou então, se o tipo escolhido for um “adventure” sonhemos subir e descer ladeiras barrentas, atravessarmos lagos e chegarmos suados, porém lindos, com nossa garota ou garoto – provavelmente também seminus – em terra firme.

Deixemos que nossas crianças vejam e queiram e peçam todos os brinquedos divulgados nos comerciais.  Hoje em dia não há a menor dúvida em se saber se o programada televisão pode ou não ser assistido por crianças: basta que analisemos os comerciais. A mulher e o homem estão nus em qualquer horário. A Barbie e o Bem 10 é que não.

Modifiquemos o corpo com o qual nascemos, para agradarmos à moda da vez. Retiremos as costelas, apliquemos botox em toda a área do rosto, estiquemos qualquer pele que ouse responder aos comandos da gravidade. Percamos a identidade própria e assumamos a da atriz. Saiamos pelas ruas com a cara dela. A fôrma é a mesma. Nenhum problema nisto.

Acatemos as decisões dos nossos líderes. Deixemos a política suja dominar o mundo, permitamos. Elejamos os corruptos, os ladrões e, se possível, reelejamos. Negociemos nossos votos em troca de empregos, de cargos, de títulos, de cestas básicas, de vagas na escola.

Furemos os sinais vermelhos, as faixas de pedestres. Ultrapassemos pela direita, andemos pelos acostamentos.

Ouçamos o rádio do carro no volume máximo. Passemos diante das escolas, hospitais e igrejas com nosso som a toda, revelando escancaradamente a letra daquela música que nos deixa tão excitados!

Briguemos nas escolas, nas boates, nas esquinas, dentro de casa.

Cansemo-nos diante dos espelhos das academias malhando, malhando, malhando, até vermos formado aquele corpo de dar medo, que agora já não se define mais se de homem ou de mulher. Causemos pânico com nossas fortes presenças nos lugares e, em caso de dúvida, treinemos nossos cães valentes para serem nosso espelho, para serem brigões, amedrontadores, e para comerem o cãozinho da vizinha, se ela nos olhar de forma diferente.

Persigamos as pessoas, quando estivermos hierarquicamente acima delas.

Compremos o que não podemos. Tornemo-nos viciados pelas drogas. Bebamos até cairmos no chão, e insistamos em dirigir, mesmo bêbados.

Espanquemos nossos cônjuges e nossos filhos – e nossos pais! – quando chegarmos drogados em casa.

Disciplinemos nossa vida através do uso indispensável dos antidepressivos e calmantes. Meçamos nossa pressão arterial a cada segundo. Enchamos nossa bolsa de remédios.

Tendo garantido obediência às ordens do mundo morramos, e sigamos para o inferno, onde seremos recebidos com alegria pelo desdentado sorridente ditador das regras às quais juramos cumprimento.


Todas as ordens que o mundo nos dá nos afastam de Deus. O mundo grita por socorro. Já vivemos a consequência dos atos absurdos que praticamos todos os dias, e isto não é nada perto do que, do jeito que a coisa anda, ainda está por vir por aí.