quinta-feira, 30 de maio de 2013

Jacira e Manoela

(Passei a semana toda pensando nelas. Então, resolvi escrever sobre uma Jacira e uma Manoela que, no final das contas, também podem ser eu e você.)


Jacira tem quarenta e cinco anos, e está preocupada com seu filho. É o caçula de sete. Tem treze anos de idade, estuda na única escola pública do bairro onde moram. Jacira cria os filhos sozinha (ela acabou de mandar embora de casa seu atual companheiro, pai de quatro dos filhos. Ele bebeu demais e ameaçou bater nela. E Jacira não tolera violência. Ele se foi). Todos moram com ela. O mais velho tem vinte e cinco e os dois trabalham juntos. Vendem comida congelada. Os outros cinco, em “escadinha” ajudam, também, mas em casa. As meninas cuidam da rotina do lar e os meninos andam experimentando um “lava-jato” no quintal. Até que tem rendido um dinheirinho no final da semana. Os filhos de Jacira são responsáveis e muito caprichosos. Toda a vizinhança os elogia. Mas o caçula deixou Jacira preocupada...

Manoela tem quarenta e cinco anos, é Pedagoga e trabalha como Orientadora Educacional numa escola pública no bairro vizinho ao de Jacira. E está preocupada com seu único filho de treze anos de idade, que estuda na escola particular bem próxima de onde trabalha. Manoela cria seu filho sozinha. Divorciou-se de seu marido ainda grávida, depois que ele tentou agredi-la fisicamente numa festa. “Encheu a cara” de bebida e quis aparecer. Foi a única vez. Manoela não tolera violência. E exigiu o divórcio. Teve seu filho, voltou a trabalhar, e anda tocando as coisas com o salário que recebe da Prefeitura porque o ex-marido, desde então, pediu demissão da firma onde trabalhava e nunca mais teve sua carteira de trabalho assinada, para livrar-se da pensão. O menino estuda pela manhã e faz alguns cursinhos à tarde: robótica, karatê e inglês. É o que dá para pagar. Manoela tem hora-extra e sempre consegue um desconto, porque tem muitos amigos professores. O menino é bom filho e bom vizinho. Mas deixou Manoela preocupada...

O que as duas mulheres têm em comum? Um filho chamado Gabriel e um telefonema inesperado: Jacira está sobressaltada até agora porque recebeu uma ligação da Delegacia do bairro, e Manoela dá voltas na sala de casa sem saber o que fazer, depois de ter sido convidada a comparecer na escola onde o filho estuda para conversar com a Psicopedagoga.

Diante do Delegado de plantão Jacira tenta, entre um soluço e outro, num choro convulsivo, falar sobre a vida que leva com o Gabriel dela. O Gabriel de Manoela está sendo composto, através de palavras sem sentido proferidas por uma Manoela destruída, do outro lado da rua. E o que há em comum – agora mais ainda! – entre as duas, eu conto aqui, numa fala única, que serve para os dois Gabriéis:

"Tudo o que eu faço nesta vida, faço pelo meu filho. Todos os sacrifícios. Acordo cedo para trabalhar, ele levanta junto. Saímos de casa juntos, e eu o deixo na escola antes de seguir para o meu trabalho. Gabriel é um garoto bom em casa, quieto, gosta de televisão e vídeo games, tem poucos amigos na rua. Seus boletins apresentavam notas boas no ano passado. Nada há de diferente acontecendo na família. Não sei por que motivo estou aqui."

O Gabriel de Jacira fora pego brigando na rua, e como estava usando uniforme, logo identificado. O menino que brigou com ele trazia consigo um estilete e o feriu. Um corte profundo no rosto. Gabriel já havia estado no Pronto Socorro local, levou seis pontos. E o Delegado convocou Jacira para poder liberar o menino na presença de seu responsável.

O Gabriel de Manoela havia sido retirado de sala de aula depois de dar um soco na carteira e responder à professora de Educação Física. E o Diretor da escola achou por bem liberar Gabriel só depois da conversa dela com a Psicopedagoga.

Dois trajetos diferentes, dois infernos iguais. Jacira retirou a touca descartável da cabeça e o avental do corpo em milésimos de segundos, quando recebeu a ligação. A Delegacia, distante dois quarteirões de casa, parecia ficar em outro país. Jacira correu segurando a bolsa com os poucos pertences, o celular e os documentos.

Manoela saiu de casa afobada, e esqueceu a bolsa em casa. Chegou à escola em tempo recorde, acelerando os passos com a velocidade do seu batimento cardíaco. A escola, tão próxima, pareceu-lhe ficar em outro país.

Os corações acelerados acalmaram-se no instante em que as mães puderam ver seus filhos. Conferiram-lhes o corpo todo, quase a respiração. Um Gabriel com o rosto machucado, o outro com uma ferida na mão direita.

Gabriel de Jacira brigou na rua, cansado que estava de ouvir as ameaças de um colega de classe. Ninguém ouvia, só ele. Sempre que o menino passava por ele, implicava. Chamava Gabriel de tudo quanto é nome. Mas a gota d’água foi quando faltou com o respeito à sua mãe. Gabriel combinou a briga do lado de fora da escola, quando o menino o incitou, dizendo que ele era quietinho porque era filho da “cozinheirazinha” do bairro.

Gabriel de Manoela socou a mesa cansado das aulas de Educação Física. Mas não só por isso: havia dito que não queria jogar queimada – de novo! – e a Professora Lúcia ameaçara chamar a sua mãe para resolver o problema.

Jacira e Manoela criam seus Gabriéis para serem homens de verdade na vida. Para serem homens de bem, para terem uma profissão que lhes garanta um futuro melhor, condições melhores de vida. Jacira não quer seu filho na cozinha de casa, junto com ela e seu mais velho, que não prosseguiu com os estudos. Manoela não quer que o seu filho seja Professor. Quer algo melhor. Já sabe a condição em que vivem em casa.

Criam seus filhos imaginando que acertam em cada passo que dão. Criam com amor, com verdade, com limites. Criam sonhando com a perfeição, e este é um pecado comum a todas as mães.

Hoje vim até aqui para escrever um desconforto que venho tendo há uns dias: o de encontrar ao meu redor o mesmo desconforto em outras mães. Queremos um mundo melhor para os nossos filhos, e nesse mundo imaginamos que eles serão o que há de melhor, também. No entanto, temos filhos limitados, e tão normalmente diferentes!

Antônio, meu filho, meu “Gabriel”, ouve todos os dias do pai dele a frase “cuida da sua mãe”, quando eles se despedem... Antônio não gosta de queimada, e ficou com média 6 na disciplina de Educação Física. Nas outras disciplinas, as notas variaram entre 9 e 10. E tudo o que eu pude dizer a ele, depois de ter estado com algumas Jaciras e Manoelas essa semana, foi que faça as aulas, mesmo sem gostar do jogo.


É a lei da vida. Senão a gente para na Delegacia ou na Sala da Psicopedagoga.

domingo, 26 de maio de 2013

Recuos

(Para quem acredita num Deus fiel, recuos são impulsos.)


Acho que, em alguma situação da vida, todo mundo já ouviu aquela célebre expressão: “Minha estrada eu caminho como um automóvel sem retrovisor. Não quero olhar para trás”. Eu também já ouvi. E por algum tempo andei com ela na ponta da língua, toda prosa, crente que estava dizendo alguma coisa importante...

Até que um dia, há uns dez anos, precisei fazer a minha primeira viagem na estrada – percurso Iguaba Grande X São Gonçalo – dirigindo sozinha. Carteira de motorista fresquinha – acho que ainda naquele primeiro ano “experimental” – e um medo terrível! Liguei, então, para o meu pai. E de um orelhão de esquina ouvi a voz da experiência me dizer: “Venha devagar, e não se esqueça de que, na estrada se olha mais para os retrovisores do que para a frente, praticamente”.

Meu pai punha por terra a frase que eu ouvira e repetira tantas vezes! E meu pai estava certo. Como pode ser, não é? Eles sempre estão!

É o olhar para trás que garante a viagem segura na estrada. É o espelho retrovisor que nos avisa do carro acelerado que pretende a ultrapassagem que, se não percebida, pode causar-nos o acidente. É também através dele que verificamos se podemos ultrapassar o carro que está diante de nós.

Hoje já não digo mais nada sobre a “dispensa” ao retrovisor. E já não reajo mais quando alguém reproduz a famosa frase. Estão errados, eu penso, e um dia descobrirão que estão.

Aí, veio uma outra descoberta: o recuo. Afoita por começar a fazer as estripulias no trânsito, excitava-me com as possibilidades de acelerar e “cortar” os carros mais lentos. E, testemunha do meu processo de aprender a dirigir, o pai de Antônio me ensinou que o melhor a fazer quando se quer ultrapassar um carro, é desacelerar para ganhar força no motor. Em alguns casos até reduzir a marcha. Meu Deus, eu pensava ser loucura o que ele me dizia! Mas experimentar trouxe-me a certeza. Se eu reduzo a velocidade, faço tudo melhor.

Sempre que vou a casa dos meus pais tem novidade por lá: gatinhos filhotes. Meus pais adoram bichos – graças a Deus! – e nunca resistem aos filhotinhos. Por saberem disto, alguns vizinhos costumam colocar diante do portão da casa dos meus pais um ou outro filhotinho, seja de cachorro ou gato. Eles os acolhem, dão-lhes comida, carinho e conforto, e os hóspedes ficam para sempre...

É sempre gostoso observar os gatinhos brincando. Um com outro, sozinhos com bolinhas de papel, embalagens de biscoito – fazem barulho, eles se divertem! – cadarços de tênis, ou qualquer coisa parecida. E há um movimento, comum a todos os animais, imprescindível para o ataque perfeito: o recuo. Ainda que seja para pular em cima do “amigo” ou do objeto, eles recuam para o bote certo.

Olhando a cena, eu, que costuro nos pensamentos tudo o que acontece na minha vida, vejo os filhotinhos ao mesmo tempo em que me lembro do retrovisor do carro e do acelerador, na hora da ultrapassagem. Atos que, a princípio, podem sugerir desistência, mas que nos impulsionam para melhores resultados: chegar sã e salva ao lugar de destino, deixar para trás o carro que não sai de 60 km numa rodovia, alcançar um amigo para uma brincadeira deliciosa, segurar o novelo de lã e recomeçar a diversão.

Às vezes nossa vida está tão difícil, tão sofrida, que chegamos mesmo a duvidar da presença de Deus ao nosso lado. E isto deve ser tão perdoável por Ele, que deve chegar a ser imperceptível aos Seus olhos de Pai. É o recuo necessário, e a gente nem percebe. Só depois de passado muito tempo é que vamos nos dar conta de tudo o que aconteceu, fechar o círculo de todas as situações por que passamos e concluir que é chegada a hora de viver com segurança.

É o espetáculo da vida, e eu estou aqui pensando – ou Deus está me lembrando – no desfile da escola de samba, e no recuo da bateria: não é que é a hora do show? Ver aquela gente toda recuando, quase se escondendo, permitindo que grande parte da escola passe, para depois surgir resplandecente, maravilhosa na avenida novamente. E se fazem um processo bem feito, conseguem os pontos para garantir a vitória na quarta-feira de cinzas!

Desde aquele dia em que obedeci aos conselhos do meu pai ao telefone, respeito os recuos na minha vida. É certo que naquela primeira viagem cheguei a São Gonçalo com as pernas tremendo, o coração na boca, o sangue quente e o corpo suado. Mas cheguei tão feliz, orgulhosa de minha conquista, de minha independência: valeu ter recuado, ter desacelerado, ter fixado os olhos nos espelhos que me mostravam o que passou.

Hoje venho passando provações, e não estou só. Sei que há amigos em situações iguais a minha, assim como sei que alguns estão sofrendo por coisas ainda piores. E vim para dizer que recuos são necessários para que o voo se dê abençoado. Vim dizer que há dias Deus me sussurrou que escrevesse sobre isto, e que enquanto não sentei aqui para elaborar o texto Deus não parou de me apresentar os testemunhos, as personagens da história que Ele queria contar. Sim, eu sou humana, cheia de pecados, mas creio que Deus me inspira, sim, a escrever. É Ele quem me dá o tom. Eu vivo minha vida a escutar-Lhe os conselhos, porque O vejo em cada amigo, em cada irmão.

Na simplicidade da vida animal, o ensinamento. Sejamos humildes para aprender com aqueles que nada nos dizem com palavras, mas tanto nos sabem ensinar.

O arco-íris nos foi apresentado após um dilúvio. Ali aprendemos que depois da tempestade a bonança é certa. É aliança, e para quem crê num Deus fiel, chega a ser motivo de orgulho – no bom sentido da palavra – saber que atravessamos desertos, de vez em quando.


Deus nunca nos disse que seria fácil. Quando a desobediência se deu, lá atrás, no paraíso, Deus nos apontou as consequências. Hoje, vivendo, fazemos coisas muito piores do que fizeram Adão e Eva. Mas o amor de Deus por nós é tão imenso que vez por outra ele nos coloca em situações de recuo. Do estado de guarda, do que chamam retrocesso, vem a vitória. E só nisto eu creio. Que mover-se para trás precede o impulso. E que quem sabe aproveitar o momento e louva em vez de blasfemar, é o verdadeiro filho de Deus.

domingo, 19 de maio de 2013

Essencial

(Essencial é viver. É abrir os braços se tudo o que se quer é um abraço...)


Era uma vez...

“Era uma vez” é uma expressão essencial para se começar a contar uma história para uma criança. Vejo aqui em casa, por Antônio. Ele sempre gosta que eu lhe conte histórias, mas quando elas iniciam com o meu chamativo “era uma vez”, ah!, tudo fica diferente e mais bonito nos olhos de jabuticaba do meu filho.

Dia desses, voltando para casa depois do trabalho, testemunhei uma cena, aos meus olhos de poeta, inesquecível: uma paquera.

Uma moça vinha pedalando sua bicicleta pela ciclovia. Fone nos ouvidos. Óculos escuros. Pele transluzente sob o sol do fim da tarde. Voltava do trabalho, me pareceu. Sem muitos apetrechos, sorria ao som da música que lhe penetrava os ouvidos...

Um rapaz vinha dirigindo seu carro branco, ao meu lado. Rádio do carro ligado. Óculos escuros. Pareceu-me que voltava do trabalho, também.

Foi quando a atenção ao trânsito se desfez: ele a viu. E o movimento do corpo dele ao olhar para ela, chamou-me à atenção, também. Coisa mais linda de se ver! Reduziu a velocidade quando viu que ela esboçou-lhe um sorriso. Reduziu o trânsito. Reduziu a minha velocidade. Reduziu o ritmo da minha vida inteira, depois disso. Do que eu tiver para viver.

Seguiu, depois de ela não ter-lhe dado confiança. Seguiu olhando para trás, depois pelo retrovisor. A velocidade da bicicleta não acompanhava a do automóvel. E foram-se, cada um para o seu lado, com um sorriso no rosto. Vão, certamente, um com o outro na lembrança, até que esta se desfaça.

Eu, poeta, acompanhando tudo, saí da cena entristecida, porque fiquei imaginando um grande amor que se perdera. O amor surgira dali, de um encontro de via e ciclovia, onde diminuir a aceleração do carro é essencial quando se quer alguém que está de bicicleta.

Essencial é viver.

Nossa vida cotidiana não nos permite viver o essencial das coisas.

Ontem compramos, eu e o pai de Antônio, o kimono para as aulas de jiu jitsu que ele começará a fazer. E ter ido à cidade vizinha em companhia de seus pais tornou sua vida mais feliz. Aquilo lhe foi essencial, e bastava observar-lhe a expressão de alegria para confirmar isto que estou escrevendo: covinhas no rosto e um sorriso que não se desmanchou, acho que até agora.

Talvez tenhamos acordado nesta manhã de domingo sem fazer um afago em quem deixamos na cama. Talvez não tenhamos recebido o afago de quem se levantou da cama antes de nós. Um afago essencial para que o domingo – início de uma semana inteira! – seja ainda melhor! Mas será que desejamos o abraço – dar ou receber – com os braços abertos? Abrir os braços é essencial para receber o abraço. Abrir os braços quer dizer “vem!”

Neste mundo de mentiras, dizer a verdade é essencial. No caminho, ontem, ainda no carro, percebemos que o rádio não funcionava direito. Eu e o pai de Antônio nos olhamos, e foi o suficiente para que meu filho me falasse que mexeu no rádio. Mas, antes, nos avisou de que contaria o que aconteceu, porque sabe que eu sempre lhe peço para dizer a verdade. Pra mim, bastou. Orgulho de mãe que vê frutos onde semeou. Antônio confessou o erro. E recebeu a correção seguida de um carinho pela atitude prestada. Entendeu, ficou feliz, e nós também.

Essencial é tudo aquilo que está acontecendo lá fora. É o sol quente, vivo, que preenche hoje seu espaço no céu azul que ontem amanheceu cinza e enfeitado por uma chuva maravilhosa, abençoada! É a certeza do Deus vivo, presente em nossas vidas. Essencial foi acompanhar o nascimento dos passarinhos na caixa de correspondências daqui de casa. Essencial é o abraço que recebo do meu filho logo assim que ele acorda.

Nada do que é essencial existe em busca de recompensa. Aqueles sorrisos que se trocaram entre o rapaz e moça foram espontâneos. Foram sorrisos do coração. Nada queriam em troca. No entanto, a troca veio: os olhos responderam aos apelos do coração. E aquele sentimento indescritível que invade nosso corpo no momento da paquera aconteceu...

Estarmos os três no carro, rumo a qualquer lugar iluminou o rosto de Antônio. Não lhe importava onde iríamos. Nem o que faríamos. Estávamos juntos. Já era a própria recompensa. A atitude – essencial! – recompensou-nos a todos, embora nada tivéssemos feito com este intuito.

A inspeção diária na caixa de correios, e a alegria por ouvir os chiados dos passarinhos no ninho recompensaram a tarefa de permitir que a vida acontecesse. Eu ajudei, Antônio ajudou, o carteiro ajudou, cuidadoso que foi em deixar as cartas em outro local.

Quem não soube ver o sol lindo pela manhã, perdeu a oportunidade. Mas se souber ver o que é essencial, verá o bailar das nuvens seguindo a direção do soprar dos ventos. Traduzirá em monstros, bichos, pessoas as diversas formas que aquelas bolas de algodão tomam enquanto passeiam, desfrutando de um céu que ainda não é nosso. E receberá a chuva – quem sabe até no rosto! – agradecido por viver, por estar bem, por amar, por ser amado...

As coisas mais simples da vida, os gestos mais simples, são aqueles de que mais precisamos. E é tudo o que a vida cotidiana nos rouba. Mas há certa permissão nossa. Como escrevi, muitas vezes não abrimos os braços e depois reclamamos por não sermos abraçados quando mais esperávamos.

Eu desejo a vocês um domingo essencial. Para que, em sendo assim, o domingo preconize uma semana essencial. Com novos olhares, novos ângulos, novas possibilidades. E, acima de tudo, com braços bem abertos para a vida, porque viver é essencial.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Música!

(Já faz um tempo estava querendo escrever sobre música. E, desde que vi o vídeo de Gene Kelly, não penso em outra coisa.)


Já faz um tempo venho pensando em escrever sobre ela: a música!

Já não a ouço mais como ouvia aos catorze, dezesseis anos. Ah, época boa em que minha vida se resumia a trabalhar – pouco, ainda – e correr para casa para ligar meu “3 em 1” e me esquecer da vida!...

Aqui em casa as estações do rádio não pegam bem. Desisto. E devo confessar que ouvir CD às vezes me cansa. Não gosto de saber a próxima música que vai tocar (este é um segredo, hein?). No meu “3 em 1” havia uma tecla “shuffle” (acho que é assim que se escreve) e quando eu a selecionava as músicas tocavam aleatoriamente. Era bom...

Mas de uns dias para cá, não sei o que é, ando necessitada de ouvir música. É algo, assim, impressionante.

Daí essa semana fui para o trabalho ouvindo Zé Ramalho. Mas eu sou poeta, então, eu não ouço só a música. Não fico nisto. E viajei com Zé, pulando as canções que não queria ouvir, sempre com aquele medo de bater com o carro. Eu pulo as faixas, mas depois só quero ouvir as que pulei. É estranho, isto.

Na voz grave de Zé Ramalho, a presença de Deus. Como pode termos sido presenteados com tamanha bondade dEle em conceder-nos o dom da música? Não sei se já revelei aqui, mas gosto muito de cantar. Mas eu sou voz, sou garganta, respiração nenhuma, e na terceira música já não sai mais nada da minha boca. Nada de trabalhar o diafragma, solto a voz como vivo a vida. Canto bem, não sou desafinada, não. Mas não sei cantar. Um dos meus sonhos: aprender a cantar está na lista onde incluo também aprender fotografia e cursar a Graduação em Matemática. Meu filho Francisco ficou pra trás, já não há mais tempo. Sorte de Antônio, que não precisa dividir com mais ninguém o meu imenso amor.

Estou escrevendo ao som da música do filme “Proposta Indecente”. A instrumental. É linda! Meu amigo Wellington me brindou com músicas no note. E posso afirmar que há umas quatro gravações aqui que se eu colocar para tocar, escrevo imediatamente. É automático. Como entender?

Bem, Zé Ramalho cantava absurdamente no meu rádio, volume 40, janelas abertas, sinal fechado e todo mundo ouvindo eu cantar, também. Sou a Elba, quando Zé canta. Aí eu fico prestando atenção na voz, que pouco envelhece... Ele divide o palco no show ao vivo com Alceu Valença. Eu pulo, pulo, pulo, até que resolvo ouvir “Coração bobo”, e meus ouvidos sorriem. Brincam, aqueles dois. Que vozes! Eu já sinto saudade, porque coração de poeta é assim. Já fico pensando que Antônio não saberá muito daqueles dois. E agradeço a Deus por ser contemporânea deles.

Viva a música! Sete notas musicais e... a perfeição! Sete notas musicais e ela está lá, de todos os tipos e formas que se possa imaginar, e ainda vem muito, muito por aí. Graças a Deus!

Voltei ouvindo Titãs. O meu álbum preferido, o acústico ao vivo, com violinos e outras cordas no palco. Quem foi que inventou o violino, meu Deus? Coisa mais linda! E aquela mistura toda de vozes dos meninos dos Titãs que parecem uma voz só. E as composições, naquele manifesto contra o podre-social-podre, que tanto ouvi quando menina das gargantas de Chico, Edu Lobo, Gil. Naquela poesia que tanto ouvi de Vinicius, de Nara, de Jobim.

Duvidosa – e temerosa! – de que Antônio não se sirva dessa nata, vim me consolando. O talento, o dom, ainda existe. A gente fica malhando, reclamando da música que se faz hoje em dia, mas diante da cultura musical que as pessoas receberam ao longo de suas vidas sobrou-lhes pouco, não? E, no entanto, compõem, criam instrumentos, dançam, revelando o que têm de melhor, a expressão do corpo, do rosto, da vida! Uma apresentação de meninos de rua – ou não – dançando aquilo que eu chamava de funk antigamente é uma coisa linda de se ver!

E a alegria da plateia? Zé e Titãs eram álbuns ao vivo. E, de vez em quando meu braço arrepiava sobre o volante só de ouvir a galera vibrando, aplaudindo, assoviando... Depois de uma apresentação de Arnaldo Antunes cantando “O pulso ainda pulsa” (música maravilhosa!), todo mundo num grito só de “fica, fica, fica...”, do mesmo jeito em que pedia para ficar o pessoal que recebeu Alceu no show de Zé Ramalho. Às vezes eu dou uns gritos, também: “Uhuhuhu!!! Fica!!!”... Se alguém me vê no carro, acha que sou louca.

Assisti no fim de semana passado o vídeo “Singing in the rain”, com Gene Kelly. Cinco minutos e eu estava aos prantos, com Antônio no meu colo (eu o chamei para assistir). Como pode aquilo ter acontecido, e eu não ter podido viver naquela época? Emocionada diante do talento brilhante de se fazer algo tão ingênuo e apaixonante, tão maravilhoso, tão bom que fica eternamente. Antônio adorou! Ficamos conversando sobre sapateado, e depois ele escolheu outros vídeos para assistir. Todos da mesma época. Sinatra e Fred Astaire...

Mas quando uma mulata samba, quando alguém sacode uma caixa de palitos de fósforo, quando alguém dedilha um violão, quando meu pai assovia, quando ouço Kansas com “Dust in the Wind”... Não é a própria presença do divino? Que dizer da Susan Boyle? Que voz é aquela, senão a própria voz de Deus?

Cresci com meus pais me ensinando as canções de Elizete Cardoso, Isaurinha Garcia, Nora Ney, Silvio Caldas, Orlando Silva, Antônio Maria, Pixinguinha, Dolores Duran... A gente se calava para que eles pudessem cantar. O sentimento era apalpável! E eles cantam até hoje lá em casa, e ouso dizer que cantam ainda melhor, hoje.

Abençoada seja a música! Abençoada a voz grave dessas cantoras de música gospel, esses corais, que trouxeram para a igreja muitos perdidos no mundo. É maravilhosa a sensação de ouvir uma voz poderosa falar em Deus. Eu me arrepio!

Abençoados sejam aqueles que das sete notas musicais fazem nossa vida mais feliz. Completam nossa vida. Aqueles que compõem, aqueles que cantam, aqueles que representam a música dançando.

Cantamos em línguas diferentes e, no entanto, nos entendemos. Música é paz, é união. Àquilo que não se traduz em bem, não podemos chamar de música. Rendo-me à boa. Curvo-me. Agradeço. Música, sou feliz, só porque você existe!