sexta-feira, 29 de março de 2013

Vida nova

(Em tempos de Páscoa, o título do texto vem bem a calhar... Eu quero uma vida nova. E resolvi escrever sobre isto.) 


Eu quero uma vida nova.

Quero poder dizer adeus. Algumas pessoas se foram da minha vida, sem que eu tivesse me despedido. Quero dizer adeus a Wilson, amigo engraçado que se foi de repente, e me deixou sem sorrir durante um longo tempo... Wilson fez isto. Morreu. E mandou alguém me avisar por telefone. Dias antes estava comigo, brincando, me divertindo. Como pôde ter sido assim?

Quero dizer adeus à Madalena. Quero atender o telefone naquele dia que ela me ligou, às vésperas de deixar o mundo, e eu não atendi. Quero saber o que ela me falaria. Quero pedir sua bênção, para continuar vivendo, mesmo com a saudade que não me deixa ter paz.

Eu quero uma vida nova. Aproveitaria ainda mais o tempo ao lado de Wilson e Madalena. Gargalharia com as histórias de um aventureiro, que veio ao mundo para vivê-lo, e aprenderia com as histórias de Madá, que veio ao mundo para que eu pudesse ser mais feliz.

Na minha vida nova, eu teria um sítio para acolher os animais que vagam abandonados nas ruas. Lá seria o céu – daria este nome ao sítio – já que dizem que no céu não há animais... Faria campanhas de preservação da natureza em tempo de ver bons resultados. Ensinaria às crianças que o que se planta hoje, se colhe amanhã. Ensinaria aos adultos que vale a pena investir na semeadura, ainda que não estejamos vivos para testemunhar a colheita.

Preciso de uma vida nova. Quero dizer do meu amor para as pessoas que amo. Essa vida corrida que levo não tem me deixado fazer isto. Quero abraçar – muito! – para matar saudade, quero beijar, fazer carinho. Preciso escrever cartas, quero perfumá-las, para que seus destinatários fiquem com o aroma da lembrança do que é uma amizade verdadeira.

Uma nova vida para ajudar as pessoas que moram tão longe de mim e sofrem por carências materiais. O mínimo, eu não quero muito, mas uma vida nova me impulsionaria a largar tudo isto que vivo aqui, e sair mundo afora ajudando ao meu próximo.

Eu quero uma vida nova. Preciso pedir perdão a algumas pessoas por coisas que fiz, que disse, que pensei. Preciso perdoar algumas dores que sinto, que me deixam doente de vez em quando. Preciso falar mais verdades, mas preciso ser mais cuidadosa, e observar que nem todo mundo está preparado para ouvi-las. Preciso omitir certas opiniões, evitar brigas, desgastes, porque isto não leva a nada.

Quando se chega a querer uma vida nova, é porque já se sabe alguma coisa. Fico aqui, na frente, tentando alertar a Antônio do que é triste, do que é chato, do que faz mal. Mas ele cai do mesmo jeito, machuca o joelho, chora, sofre. Graças a Deus eu dou colo. Aqui em casa, quando ele chora, já vem “subindo” em mim. Depois do consolo, desce. Sempre me beija antes, e agradece, como se não fosse minha a total obrigação de amenizar o sofrimento dele...

Quero amenizar sofrimentos, na vida nova. Ter palavras certas para dizer, para que as lágrimas nos rostos de todas as pessoas cessem. É difícil chorar sozinho. Ninguém nunca se esquece do dia que chorou sozinho... Quero estar lá, no momento preciso, em que a primeira lágrima for derramada. Quero ser porto, ajuda, companhia, servidão.

Eu quero uma vida nova, mais próxima de Deus.

Quando se chega à metade da vida, se quer viver. Jovens não sabem de nada, crianças sabem menos ainda e, no entanto, são as crianças e os jovens que sabem viver: amam a vida, respiram cada minuto dela como se fosse o último. Riem-se de si mesmos, são alegria para quem está por perto. Quer vida melhor?

Se eu pudesse ter uma vida nova, afastaria os jovens das drogas. Dessa morte que convida a partir o nosso filho, nosso amigo, nosso vizinho. Que leva consigo as famílias, que desagrega, que torna dependente do inferno toda uma sociedade. E eu apresentaria a VIDA aos meninos e meninas que não experimentaram alegria diferente, e só conhecem o prazer dos cinco minutos de êxtase. Mostraria a eles que existe o circo, o parque, a arte, o livro, o sol, o mar, a natureza. Mostraria que existe o outro, o irmão, a palavra, o carinho. Mostraria que afeto existe, que é possível amar e ser amado. O amor cura, liberta, e nos livra dos vícios desde muito tempo atrás!...

A metade da vida é o sinal que se acende amarelo: ATENÇÃO!

Tudo o que fiz até aqui, está feito. Orgulho-me dos acertos, envergonho-me pelos erros. Mas com acertos e erros aprendo e, tendo aprendido, ensino. Hoje olho pra trás e tento lembrar-me dos sonhos que tinha ajoelhada aos pés da cama aos dezesseis anos. Sonhava em ser feliz. Tenho quarenta e quatro, sonho em ser feliz. Antônio já me é quase certeza de que sou, de que serei. Mas resta-me pouco tempo ao seu lado.

Todos os dias, quando saio de casa para trabalhar e pego a estrada, peço a Deus que me leve e me traga de volta. Mas não há um só dia em que, trocando uma estação do rádio do carro ou um CD, eu não pense em morrer num acidente. Sempre penso, não domino isto. E já não sei se é um alerta ou uma intuição.

E se um dia eu não voltar pra casa?

Deveríamos viver a vida inteira pensando nesta possibilidade, ainda que prefiramos não pensar nisto.

Um dia a gente não volta do trabalho, do passeio, da internação, do banho, do sono. E, no entanto, mesmo cientes disto, a gente perde tanto tempo com coisas que valem tão pouco, e adia pra muito depois o que realmente interessa.

Quero uma vida nova. Começar tudo de novo. Amar, acolher, saber retribuir na mesma medida o amor que recebo...

Minha vida nova começa agora. Já vivi quarenta e quatro anos. Se eu mudar minha vida e conseguir planejar meus outros quarenta e quatro, já valerá a pena.

Para quem sabe (re)viver, vida nova é todo dia!

sábado, 23 de março de 2013

Quanto custa viver?

(Tendo chegado à metade da vida, ando refletindo sobre o que realmente importa...)



Antônio está na praia, neste momento. Seu pai o levou. Trouxe para buscá-lo, um amiguinho. O menino escondeu-se no carro. E até agora está na minha memória o sorriso do meu filho ao ver o amigo surgir na janela.

Eu fiquei no portão até perder o carro de vista. Os dois no banco de trás, brincando, felizes, felizes!

Tenho estado pouco com Antônio. Trabalhando demais. E, por estar certa de que não sou a única, quis escrever uma pergunta que ando fazendo a mim mesma. Eu me faço perguntas demais, não consigo responder a todas. Quanto custa viver?

Estou na metade da vida. E confesso que é verdadeira aquela história de que quando se chega aos quarenta anos quer-se ter os dezoito de volta. Mas não os dezoito do viço. Os dezoito do futuro mais distante, da morte quase impossível.

Ontem soube da morte de Talita, uma pessoa que quando conheci só pude concluir uma coisa a respeito: amava viver. E aí fiquei pensando em como Talita deve ter ido embora insatisfeita! Mas ela já vivia seus oitenta anos, daí o desejo de prender-se à vida que se despedia dela.

Hoje deve ser o dia mais feliz da vida de Antônio. Crianças têm isto de bom, todos os dias são seus melhores dias. Crianças não planejam muito o amanhã, tampouco choram pelo ontem como os adultos. Crianças amam o dia de hoje. Antônio abriu as janelas do seu quarto e me disse que o dia estava lindo lá fora, enquanto eu abria as da sala e supunha que iria chover. Meu filho – Deus menino – é o meu otimismo, quando a vida me obriga a entristecer. Isto foi há algumas horas atrás. Olhando para o céu agora, vejo que o dia de Antônio venceu a batalha contra o meu, graças a Deus!

Eles estão por aqui por perto, mesmo. Na lagoa. Disseram que vão comer um churrasco num quiosque. Antônio saiu coberto de filtro solar, com um boné na cabeça e uma bola embaixo do braço. Eis o preço do dia mais feliz da sua vida...

Enquanto meu menino se diverte às custas de uns picolés e de um churrasquinho de beira de lagoa, eu aproveito o silêncio de casa para fazer as contas das despesas. Preciso saber se o dinheiro que tenho durará até o fim do mês. Preciso saber se conseguirei pagar as contas de luz e água antes do corte. Preciso renegociar a dívida do cartão de crédito, cuja fatura já venceu e eu não tive condições de pagar. Preciso ver se a quantidade de ração que há no pacote alimentará as cadelinhas até a semana que vem. Preciso de informações junto ao RH sobre a data do pagamento, para saber se vai dar para comprar o ovo de Páscoa “dos Thundercats”, que Antônio tanto quer! Pretendo passar o feriado em São Gonçalo, vou precisar ter dinheiro para o combustível e para os pedágios...

Às vezes – em muitas das vezes! – desisto de continuar. Papéis sobre a mesa da sala, calculadora, anotações, boletos bancários, carnê do carro, caneta, tudo aquilo misturado me dá sono. As contas não se encaixam, não cabem no total que acusa o saldo da conta corrente, e eu nunca sei como fazer. Junto tudo, guardo na gavetinha da cozinha e deito para dormir.

Lá fora me exigem comprar a bolsa e o sapato de marca. Exigem que eu não tenha cabelos brancos, muito menos crespos. Exigem que meu manequim seja trinta e oito. Lá fora eu não posso ter barriga protuberante, nem estrias, nem celulites. Não posso ter cravos nem espinhas, e tenho que me lembrar, quando vou à manicure, de que um dos dedos tem que ter a unha pintada numa cor diferente das demais. Quando me esqueço de alertar para este detalhe fico me punindo e, na rua, sempre acho que estão olhando para o meu anelar de forma discriminadora.

Quanto custa viver, verdadeiramente? Quanto me custaria estar lá, com Antônio, na lagoa? Quanto me custa caminhar com ele pela orla, levá-lo ao parquinho da praça?

Na metade da vida, o desejo de abandonar as ordens de lá de fora e viver e ser feliz. Viver como criança, como Antônio, que sente a mesma alegria se lhe presenteio com um boneco do Ben 10, ou com uma régua geométrica, ou com um bilhetinho dizendo “Te amo!”, ou com um abraço numa hora inesperada...

Para viver para “lá fora”, eu trabalho o dobro do que deveria. Mal vejo meu filho. E de nada adiantará preparar um futuro “mais confortável” ao lado dele, porque nada me certifica de que estaremos juntos nesse futuro. E, mesmo que estejamos, já não estarei ao lado do meu menino, porque infelizmente sua infância está passando na mesma velocidade com que acelero o carro rumo ao trabalho.

Há cinco anos completei quarenta anos, e desde então estendi minhas mãos para o tempo. “Eis-me aqui!”, suplico todos os dias, implorando por um pouco mais de vida – de tempo de vida – porque Antônio não tem culpa se eu decidi ser mãe aos trinta e sete. Olho a vida agora e invejo a época em que tinha dezoito. Quero voltar, não há mais como. Queria estar com dezoito anos agora, para correr atrás de Antônio, para ser perseguida por ele, para ter juventude e energia o suficiente para acompanhá-lo. Vou querer ter os mesmos dezoito anos quando ele tiver também essa idade, para entender as suas dores da adolescência e ter, naquele vocabulário esquisito que se tem aos dezoito anos, a palavra certa para lhe fazer sorrir quando a tristeza vier lhe importunar.

Viver custa caro demais, demais! E a gente vai se entregando às exigências cada vez mais fúteis da vida sem se dar conta de que abrimos mão daquilo que nos é mais importante: o amor verdadeiro. A família, os amigos, nossos animais de estimação, o bem ao próximo.

Feliz de quem aprendeu a negar os apelos imundos do mundo ainda em tempo de viver bem. Feliz de quem se despede de todos os dias da sua vida, com a mesma alegria com que os recebe. Não estamos nós, todos os dias, morrendo um pouquinho?

Imaginando um Antônio que chegará ao meu portão com bochechas avermelhadas que emolduram e embelezam – e eternizam! – ainda mais o seu sorriso, desejo que a mensagem deste texto de hoje penetre no coração do seu leitor como semente. Semente de uma vida melhor. De uma vida que caiba no bolso de todos aqueles que veem prioridade e relevância naquilo que lhes é mais sagrado – cada um tem a sua – daquilo que, justamente por isto, o mundo só quer afastar.

Quanto mais a gente paga para viver, mais se afasta do que é a vida. Está na hora de vivermos o gratuito: o sentimento, a acolhida, o fim de tarde, o nascer do sol, o plantio, a colheita, o sorriso, o afago, a palavra, a ajuda, o perdão, o afeto. Por isto não se paga nada. E só por isto se vem ao mundo. Só por isto se custa viver.

segunda-feira, 18 de março de 2013

A dor de Márcia

( A morte é certa e, no entanto, é sempre uma surpresa. Que a dor de Márcia nos ensine a amar e a demonstrar o amor que sentimos enquanto há vida.)


Todo mundo está sofrendo junto com ela. Sofreu com ela no período em que ele esteve bem doente, sofreu com ela quando Deus resolveu vir buscá-lo de volta e, agora, sofre com ela a dor da saudade.

Ninguém tem a palavra certa para lhe dizer. Gasto o vocabulário, só o que Márcia faz depois de ler as mensagens que lhe chegam – virtuais ou não – é chorar e doer. Ninguém ainda lhe disse a palavra mágica. Assim, ela vai expurgando a ferida com seus desabafos, enquanto a gente vai tentando consultar o Google para descobrir o que faça Márcia entender o que aconteceu, e conformar-se. E, se não for pedir demais, sorrir de novo – ela tem um sorriso lindo! – e ser feliz.

Cada um dos seus amigos tem uma religião diferente, acredita num Deus diferente. Isto para mim não interfere em nada, porque foi um “Deus de todo mundo” que curou Herminia (eu já contei há uns textos atrás), então, os amigos de Márcia recorrem às certezas de Deus e escrevem linhas e mais linhas para consolá-la. Deus é bom, Deus é fiel, Deus conforta, Deus abençoa...

E cada vez que ela experimenta a presença de Deus ao seu lado, tudo o que sente é uma saudade enorme, que hoje se chama Juninho.

Márcia e Juninho tiveram uma filha, a Carol, que hoje tem cinco anos de idade. Eu, de fora, fico observando a família pelas fotos que ela compartilha, e olhando para Antônio, que agora está com sete. Eu não vivo com o pai dele, daí fiquei pensando nisto tudo e resolvi escrever.

A certeza é a morte, não a vida. Depois que nascemos, só nos resta saber que um dia partiremos deste mundo, onde Deus nos colocou para sermos felizes, fazermos o bem e garantirmos presença no céu, quando Ele vier nos buscar.

Daí, para que a felicidade seja maior ainda – a gente sempre quer mais e mais! – vamos, ao longo da vida, conquistando amigos, vamos nos apaixonando, vamos construindo família.

Num desses encontros de destino/coração, Márcia conheceu Juninho.  Eles se apaixonaram e se casaram. Tempos depois nasceu Carol e a vida não podia estar melhor naquela família.

Parece um pouco comum, não? Um pouco lógico, ou evidente demais? Pois foi justamente aí que me peguei pensando: no nosso prazo de validade...

Há três anos uma amiga me revelou que seus médicos haviam lhe dado seis meses de vida. E ela mesma espantou-se quando eu lhe disse: “Que bom! Pelo menos você sabe que terá seis meses para viver. Eu não sei se os terei. Quem sabe que os tem?” Depois de pensar no que ouvira, ela sorriu e concordou comigo. Hoje ela está curada e... VIVA!

Eu me atropelei nas palavras cada vez que quis dizer alguma coisa que acalentasse o coração de Márcia. Nunca consegui. Depois de escrever e ler o que escrevi, ficava até mais triste do que ela.

Nada há que se diga. Nem que o tempo curará suas feridas, abrandará sua dor. Porque tem gente que chora longos anos a saudade de um filho, de um marido, de um pai...

Então, minha tentativa de hoje é de escrever sobre o valor que se dá à vida e aos que estão vivos ao nosso redor. Carol ficou, e agora depende de Márcia para entender o que aconteceu, depende de Márcia para crescer bem, depende de Márcia para viver, para ser feliz agora, apesar de tudo, porque é só uma criança, e tem todos os direitos de ser feliz.

Como está a sua vida hoje, leitor? Tem dado valor ao simples fato de abrir os olhos pela manhã? Já pensou alguma vez na vida no fato de que nem todos podem abrir os olhos pela manhã? De que nem todos que abrem os olhos pela manhã enxergam o dia lá fora? Pare pra pensar no valor que Juninho dava a cada manhã que lhe era concedida a graça de abrir os olhos...

Casais que brigaram ontem à noite e acordaram zangados, mal se cumprimentaram e saíram para seus destinos, nem se deram conta da futilidade do motivo da desavença. Qualquer coisa é fútil demais quando se pensa que, no final do dia um ou outro pode não chegar a casa...

Eu poderia escrever aqui sobre as discussões cotidianas entre irmãos, as discordâncias entre pais e filhos, os rompantes entre os melhores amigos da escola, mas Márcia chora a perda do seu amor. Ele se chamava Juninho e era o seu marido.

Muitos são meus pensamentos, e só terminarei meu texto se Deus quiser. Você só lerá se estiver vivo para isto. Logo quando comecei a escrever este texto soube da morte de um rapaz aqui da cidade. Um Juninho. Um pai de família. O amor de alguém.

Talvez fôssemos pessoas melhores se pensássemos todos os dias, todas as horas de nossas vidas, que a pessoa a quem amamos – a quem entregamos o nosso coração – pode ir-se embora, ter com Deus. Mas preferimos não pensar nisto e, então, levados pela rotina do mundo (este inimigo da vida!), deixamos para fazer as pazes “logo mais”, ou “amanhã”, ou – pior! – quando formos procurados para isto.

Ah, orgulho! Este sentimento que chegou até o nosso coração há tanto tempo! Somos orgulhosos desde que o fruto proibido foi provado. E nos distanciamos das pessoas, nos traímos, envergonhamos a Deus.

Márcia, minha querida, talvez a certeza de que tenha feito sua parte enquanto Juninho esteve com você traga leveza ao seu coração. Talvez pensar que casamentos podem ser salvos daqui em diante, por conta de sua viuvez lhe traga bons sentimentos. Falo por mim, que se hoje estivesse ao lado de alguém pensaria duas, três, milhões de vezes antes de criar situações de conflito. Pelo menos você sabe que seu marido foi em paz. Sabe que deixou aqui na Terra uma família linda, com “duas meninas” lindas, que se sustentarão uma a outra, e se fortalecerão na dor.

Jesus não foi o único a morrer para que aprendêssemos com a morte. Cada vez que um filho de Deus se vai surge a chance de tentarmos ser melhores. Eduardo faleceu esta madrugada. Infarto fulminante. Um menino! Temos o dia pela frente. A chuva – tão desejada nestes dias de calor! – leva maridos e esposas em Petrópolis. Sonhos de possíveis casamentos se encerraram naquela noite em Santa Maria. E a vida continua.

Precisamos amar mais. E demonstrar nosso amor, sem ter medo ou vergonha. Precisamos ter mais tempo para dedicar a quem amamos. Só o amor cura as dores. Só saber que amou e foi amada acalma o coração de Márcia. Só saber que é amada por Márcia acalmará o coração de Carol. Eis o maior dos Mandamentos! Urge que o coloquemos em prática, verdadeiramente.

A dor de Márcia é minha também. E por não ter por quem chorar, era isto o que eu queria escrever.

domingo, 17 de março de 2013

Uma rotina e tanto!

(Uma história de amor em família. Uma história de amor pela profissão. A história da rotina da Professora Maria...)


Maria acordou sobressaltada. O barulho do despertador a fez pular da cama. Certamente estava no melhor do seu sono...

Ligou o celular, confirmou a hora. Não tinha jeito, era hora de se levantar. Olhou João, que dormia. Sono pesado. A noite foi longa, o menino Pedro estava febril – garganta inflamada! – e João revezou com ela as idas ao quarto da criança.

Saiu do quarto tranquila: hoje João só trabalha à tarde e, como é dia dela dar aulas só pela manhã e à noite, Pedro estará bem, em casa.

Tomou seu banho, passou um café forte e açucarado, sentou por uns minutos à mesa da cozinha e, enquanto cortava o queijo relembrou os passos da aula de hoje.

Maria é professora de Língua Portuguesa. Ama o que faz. Pega sempre turmas que, a princípio, a escola toda chama de problemática: muita distorção idade/série, portanto, muitos alunos repetentes. “São muitas histórias para ouvir e aprender a viver”, diz ela, sempre que fazem careta quando ela explica seu trabalho.

Dá partida no carro e segue para a escola. Chega um pouquinho antes de o sinal tocar. Dá tempo de dizer “bom dia” a todos que estão pelo pátio e descansar da viagem de quarenta minutos e trânsito pesado. Algumas vezes acontece até de pegar no sono, porque debruça-se sobre a mesa da sala dos professores. Hoje é um dia em que Maria corre este risco, dada a noite que passou. Pensa nisto. E evita sentar-se. Olha o relógio, calcula o horário do remédio de Pedro. Lembra dele e de João. Seu corpo está na escola, enquanto o coração... Ah, esse veio pela metade!...

O sinal toca longamente. É sempre assim, as crianças parecem não ouvi-lo. Há sempre um inspetor de alunos que conduz os alunos para a forma: cara zangada, fria. Os meninos riem. Ele já não os convence mais, o Sr. José. Mas todo mundo obedece e as filas vão se formando perfeitas, dá gosto de ver.

Maria segura a mão de Inácio, o menorzinho da turma do sexto ano, o primeiro da fila, e segue para a sala de aula. Ela segura com firmeza e carinho. Descobriu dia desses que Inácio não recebe carinhos em casa. Criado pela avó paterna – que o faz por “desencargo de consciência”, como ela mesma confessou muito rispidamente a Maria – não conheceu a mãe, nem o pai. Soube, pela avó, que os dois se separaram quando ele ainda era um bebê, casaram-se de novo, formaram novas famílias e ninguém quis ficar com ele. Inácio repetiu o ano. Tem a idade de Pedro, seu filho. E Maria ama Inácio.

Findada a manhã, Maria se aproxima da porta para esperar o sinal de saída tocar. Ela se despede de cada um da turma do nono ano, onde ministra as duas últimas aulas do turno. Passa a mão carinhosamente na cabeça dos rapagões e das moças. Naquela sala há uma menina grávida, a Marcela. E Marcela já disse a Maria que se o bebê for homem irá chamá-lo de Pedro. Uma homenagem ao tanto de histórias que já ouviu Maria contar sobre o seu menino, durante as aulas de Português. Quando passa pela porta, Marcela recebe um carinho especial na cabeça, e outro na barriga. Maria ama Marcela, e já ama o novo Pedro, também.

Despede-se de todos, apaga o quadro, percebe que passou dever demais. Sorri sozinha. Ainda lhe restam trinta minutos. Senta-se, corrige algumas atividades. Separa as folhas de quem errou muita coisa. Fará uma revisão na próxima aula. Hoje Maria não esteve inteira na sala, e ela reconhece que pode ter prejudicado, com isto, a aprendizagem dos alunos. Liga para João e avisa que em quarenta minutos estará em casa. Ela sempre chega em quarenta minutos. Ele sempre sabe. Mas ela sempre liga. Fica esperando o “vem com Deus”, dele.

Chega a casa, beija Pedro. João espera sua vez. Pedro agora é o primeiro a receber os carinhos daquela mulher que já foi sua esposa, mas há dez anos é mãe. E reconhece seu lugar “na fila”. Maria o abraça, sente-se menos cansada da viagem dentro dos braços de João. Sentam-se para almoçar, já está tudo preparado. É o que cabe a João quando ele só trabalha à tarde: organizar o almoço.

Percebendo Pedro melhor, é hora da refeição. João conta como passaram a manhã, Pedro conta sobre um livro que leu, Maria conta sobre o dia na escola. Fala sobre Inácio e sobre Marcela, marido e filho já sabem. Todos muito preocupados com o que será do futuro do menino – aquela vida tão sofrida! – e com o que será do bebê da adolescente. Ninguém sabe quem é o pai da criança...

A conversa flui naturalmente. Até que João avisa que está na hora de ir trabalhar. Pede as chaves do carro a Maria, que o alerta sobre um barulho diferente no motor. Ele ri. “O problema está entre o banco e o volante”, faz a piada de todos os dias, beija Pedro e Maria – exatamente nessa ordem, também – e deixa a casa.

João é professor de Matemática e ama o que faz. Trabalha numa escola mais próxima. Particular. E enquanto espera a chamada do concurso público da cidade onde moram, dá aulas particulares de Matemática e Física nos fins de semana. João e Maria querem comprar uma casa. Estão juntando dinheiro.

Maria recolhe a louça e segue para a pia. Pedro hoje não vai à escola, ainda não está bem. Volta para a cama e liga a televisão. Mas acaba adormecendo.

Ela volta da cozinha com a toalha de pratos ainda nas mãos e olha seu menino. Fecha as cortinas do quarto, desliga a TV, ajeita-lhe o travesseiro e o lençol. Encosta a porta. Vai para a sala de estar com seu material preparar a aula da noite. Hoje dará aulas de produção textual para seus alunos da EJA. Prepara a melhor aula que pode.

Quando João chega, Maria e Pedro já estão lanchando. Conversam rapidamente sobre o dia de trabalho dele. Maria pega a bicicleta – agora a escola fica a dois quarteirões da sua rua – e vai ao encontro dos seus senhores, que a recebem no portão, carregam sua bolsa, seus livros, lhe trazem frutas e verduras. Certa vez Maria ganhou de um deles uma galinha da roça! Maria se diverte, é uma noite feliz. A aula acaba e ninguém quer ir embora, mas o ônibus chega, carrega todo mundo e sai, levantando poeira.

O caminho de volta Maria faz em oração. Agradece a Deus pelo seu trabalho, pelos seus alunos, pela família linda que tem. Agradece porque a febre de Pedro cessou, agradece porque ama a sua profissão. E pede a Deus que o seu dia de amanhã seja, da mesma forma, abençoado.

Entra em casa sem fazer barulho. Os dois já estão dormindo. Toma um banho quente e, antes de deitar-se ao lado de João, confere se o despertador está acionado. Amanhã a rotina será a mesma, naquela família. Uma rotina e tanto!

sexta-feira, 15 de março de 2013

Galo Francisco

("Tem dias que a gente se sente/Como quem partiu ou morreu/A gente estancou de repente/Ou foi o mundo então que cresceu..." Eu queria escrever algo, mas um Francisco (desta vez, Buarque de Hollanda) resolveu aparecer pra sugerir... O texto é em homenagem a Francisco Carlos de Mattos. E em homenagem à minha dor de hoje.)


Hoje, que meu coração encheu-se de tristeza, cansaço e dor; hoje, que percebi que posso ser nada enquanto acho que sou tanto; hoje, que me vi tão pequena diante da grandeza enorme dos meus sonhos, estive pensando nele.

Eu nasci em 1968. Meus pais atravessaram as Guerras Mundiais. Quando eu era pequena havia falta de alimentos. Às vezes não se encontrava feijão preto nos mercados, às vezes era o óleo de cozinha que sumia. O alho custava tão caro, que quando estava com um bom preço minha mãe comprava maior quantidade. Eu cresci sob os resquícios, não da guerra em si, mas do que ela fez com meus pais.

Lá em casa não se falava mal do governo. Lá em casa, Getúlio Vargas era admirado. E os rapazes e as mocinhas que sumiam junto com a Ditadura eram meninos rebeldes, de comportamento duvidoso, que a gente não podia jamais pensar em imitar!

Crescer, pra mim, foi difícil. Estive na escola num período em que pouco se falava da realidade dos fatos – ainda era muito cedo! – e as mentiras verdadeiras eram difundidas nos longos questionários nas aulas de História do Brasil. Já lá me sentia confusa. Mas eu era uma menina de dez anos de idade. Ninguém dava importância a uma menina de dez anos de idade naquela época...

Quando a adolescência chegou em minha vida, entendi um pouco da história do Brasil pela voz de Chico Buarque. Caetano e Gil cantaram os gritos de horror e Chico (olha um Francisco aí!), sobretudo ele, ensinou o que alguns professores recusaram-se a ensinar. E eu aprendi o que poderia querer dizer a palavra pátria.

Gonzaguinha também me ensinou a amar o Brasil. E enquanto eu trabalhava incansavelmente, ele punha a mão no meu ombro e me confortava, dizendo que “sem o seu trabalho um homem não tem honra”...

Aí eu me apaixonei pelo meu trabalho e só o que fiz durante toda a minha vida foi trabalhar. Quando dei por mim estava completamente envolvida no processo de educação das crianças, e já não sabia mais viver fora daquele ambiente.

Uma coisa ficou, ainda que eu tenha me tornado um adulto: a incapacidade de entender por que as pessoas doaram seu sangue, sua liberdade e sua vida por causas políticas. Nunca entendi por que jovens morreram tão cedo por um Brasil democrático!

Mas, sem perceber, eu fazia o mesmo com a minha vida. Sempre defendendo a qualidade na educação oferecida no serviço público, sempre na defesa de melhores salários, sempre nas discussões calorosas nas salas dos professores. Ganhei com isto uns inimigos, uns silêncios e umas pragas rogadas, também.

Sobrevivi aos desejos mais perversos de que eu desaparecesse. E segui. Nas mãos, a vontade de crescer, de ver o futuro chegar logo, de ver a liberdade com suas asas estendidas sobre nós. De passo em passo, por muitas estradas passei. Trinta anos se passaram e hoje, tudo o que resta de mim é um cansaço doído, que me causa confusão de sentimentos. Olhando para trás, para todo o caminho percorrido, já não sei se não foi em vão tudo aquilo.

Então me lembrei de Francisco. Daquele quase Tenório Cavalcanti. Daquele menestrel – no mais amplo sentido da palavra – corajoso, a cantar como galo de João Cabral de Melo Neto. Lembrei-me dele, de sua persistência, de sua ousadia, de sua luta. E lembrei-me de que um dia ele pareceu-me cansado. E lembrei-me do susto que levei quando vi que confessou o sentimento.

Mas ele é rocha, como pôde desmoronar? Mas ele é o nosso escudo, como pôde ruir? E então, por um momento fui Francisco.

Francisco optou por estar à frente de um povo nobre, escolado, consciente. E hoje está quase só, na sua luta. Todo mundo tem muito o que fazer, e Francisco representa o todo mundo que faz o muito que tem que fazer enquanto Francisco empresta seu sangue, sua liberdade, sua vida.

Hoje, que meu coração encheu-se de tristeza, cansaço e dor; hoje, que percebi que posso ser nada enquanto acho que sou tanto; hoje, que me vi tão pequena diante da grandeza enorme dos meus sonhos, cansei-me de ser Francisco. E entendi quando ele também se cansou de ser.

Não chegamos a lugar algum quando caminhamos sós. A água mole bate na pedra dura e a transforma, sim, mas não bate sozinha. São infinitas gotas, com o mesmo objetivo. Fora isto, se observarmos as ondas do mar tocando as rochas, veremos claramente que grande parte toma outro rumo. Desiste de enfrentar a dureza do concreto. Contorna os obstáculos.

Não chegamos a lugar algum quando caminhamos passos diferentes. E onde não há coletividade, nada há.

Francisco hoje grita por um mundo melhor com seus “posts” em cores chamativas, que mais parecem luzes de neon. Os que os lêem, agradecem a representação. E ponto final.

Cansei de gritar lá fora. Eu grito aqui, no blog. E hoje vim gritar que uma confusão habita minha cabeça há alguns dias. E os Franciscos estão lá – o Buarque e o Mattos – a me dizerem que talvez não valha a pena.

Quero agradecer ao meu galo-amigo, porque desde o dia em que soube que seria ele o meu representante nas causas por uma educação de verdade fiquei muito honrada. E quero dizer também que temos o direito de nos sentirmos assim, cansados, também.

Há um abismo diante de mim, agora. Olho para o nada. Não vejo futuro algum. Por um momento sinto-me como perfeitamente dispensável dentro de um serviço que ocupa a parte que me sobra no coração depois de ter reservado o espaço para Antônio. Pela primeira vez não sei de nada.

Consultando o Google à procura de uma imagem para a minha página virtual, encontrei aquela frase que descreve a fé como aquilo que lhe dá a certeza de que, se conseguir sair do abismo em que se encontra e já estiver sem fôlego, haverá algo firme em que permanecer, ou irão ensiná-lo a voar.

Preciso de asas. Ou de chão firme. Talvez de coragem. Ou braços estendidos. Ou novos horizontes. Ou, talvez, tudo isto passe dentro do abraço de um Antônio que por pouco não se chamou Francisco. Vou terminar este texto e experimentar.

segunda-feira, 11 de março de 2013

O mistério da escola

(Este texto dedico especialmente aos educadores - todos! - que trabalham com a Educação de Jovens e Adultos. Eles têm me ensinado a descobrir o mistério da escola.)


Já faz uns dias venho pensando na frase que dá título a este texto... Qual será o mistério da escola?

Estou trabalhando no turno da noite, agora. Sentada diante do balcão de atendimento da secretaria, percebo cada um que chega. Analiso os rostos com meus pensamentos que não param. Tento adivinhar-lhes as histórias, tento descobrir as razões que fizeram com que aqueles donos dos rostos chegassem até lá. Qual será o mistério da escola?

Os rostos brilham o cansaço da lida do dia. Ultimamente tem feito dias intensamente quentes, as pessoas chegam ao balcão com aparência cansada, triste, dolorida. Mas chegam. Querem se matricular. Qual será o mistério da escola?

Fico recordando o tempo em que estudei à noite. Lecionava nos dois primeiros turnos e ia para a Faculdade no terceiro. Mas eu era jovem, e já estava concluindo meus estudos. A hora era aquela, eu não queria deixar para depois. Tive ânimo, uma juventude saudável permitiu-me formar-me Pedagoga. O cansaço só se deu, mesmo, nos últimos períodos, mas eu consegui ir até o final.

Hoje, quando chego à escola onde trabalho à noite, vejo uma gente bem diferente do que eu era. Aquela gente pegou pesado durante o dia. São pedreiros, comerciantes, faxineiras, ambulantes, mecânicos, carpinteiros, garis, cozinheiras. Chegam com seus cansaços nos ombros. Debruçam-se no balcão. Nada dizem. Muitas vezes a matrícula só se concretiza graças à paciência e delicadeza com que o pessoal da secretaria os atende.

Falam baixo, escondendo a boca com as mãos. Muitos não têm dentes. Alguns nada falam, pelo simples motivo de não saberem se expressar, se comunicar. Dizem palavras soltas, contando suas histórias e, aí, nossa experiência na profissão vai costurando os remendos e tecendo a vida que viveram: não frequentaram escola. Evadiram muito cedo, para trabalhar com os pais. Foram reprovados inúmeras vezes e, então, desistiram. Dormiam demais durante as aulas e a professora sugeriu-lhes deixarem a escola. Precisaram largar a escola para cuidar dos filhos e, depois, dos netos. Não havia lugar para estudarem perto de casa. Não havia transporte para os conduzirem à escola mais distante. Filhos doentes em casa não possibilitavam tempo para dedicarem-se aos estudos...

São muitas as histórias. Gente que veio de longe, de outros estados desse enorme Brasil, e que lá deixou sua documentação perdida em casa ou em escolas que já nem existem mais. Escolas fecharam, foram incendiadas, inundadas, levando vidas embora no esgoto ou na fumaça. Simples, assim, como são levadas as vidas deles, dessa gente que hoje procura, misteriosamente, a escola para estudar. Qual será o mistério da escola?

É uma gente que não nos olha nos olhos. Mantém a cabeça baixa. Tem vergonha do que é. É uma gente que nos chama de “senhor” e de “senhora”. Alguns arriscam até um “doutora”... Ficam nos cantos do balcão. Querem se esconder. Querem que tudo aquilo ali acabe logo, porque querem ir para a sala de aula. Lá estão os seus iguais, a gente da mesma forma analfabeta, cansada, igual. Ali na secretaria as “professoras/senhoras/doutoras” sabem escrever, podem, então, descobrir seus segredos, descobrir que nada sabem. Nada.

Aquela gente cresceu e internalizou que nada sabe, de tanto que ouviu as pessoas “que sabem” lhe dizerem isto: os pais, os companheiros, os professores, os patrões, os filhos...

Há gente lá que encosta-se ao balcão para dizer que não quer passar de ano. Quer ficar com a antiga professora, quer aprender melhor o que julga que não aprendeu. Não quer ir adiante.

Todo mundo tem vergonha daquilo que intimamente conhece de si mesmo e acha que é defeito. Aquela gente toda a se aproximar do balcão às dezenove horas é o próprio defeito ambulante. Não existe autoestima, não existe amor próprio. E é a escola que eles procuram, sem nem saberem por quê.

Nós somos o mistério dessa gente de rosto brilhante. Em nós está a esperança de dias melhores. Aqueles adultos que chegam dispostos a destinarem a hora mais sagrada do seu dia – a hora que poderia ser do descanso! – o fazem por julgarem sermos nós a saída para um pouco mais de conforto em casa, um salário melhor, uma imagem menos dolorosa no espelho.

A escola ergue o queixo dessa gente, que só olha para o chão. A escola os dignifica. Abençoados somos nós, professores, que lidamos com aquilo de que o tempo passado se desfez.

E eu me orgulho muito dos colegas que seguram a mão dessa gente. A tremedeira passa, o medo vai-se embora, a segurança vai conquistando espaço e a aprendizagem começa. Começa pelo afeto. Pelo segurar das mãos, pela presença ao lado, pela palavra que estimula, que convida a ficar.

Essa gente fica. Com o tempo, começa a sorrir, mesmo que lhe faltem dentes. Com o tempo, percebe-se. Passa a ter coragem de se olhar no espelho, reconhece-se no meio da multidão.

Eis o mistério da escola. É o nosso mistério, o mistério do professor responsável, comprometido: a gente consegue fazer com que essas pessoas que se perderam no tanto que viveram encontrem-se novamente. E o mais bacana disto tudo é que eles se tornam nossos amigos, quem já passou por isto sabe. São uns amigos agradecidos, fiéis, uns verdadeiros admiradores de nossa profissão. E é por eles que cultivamos o nosso orgulho de sermos PROFESSORES, ainda que o sistema nos atravesse com a forma quase indecente com que nos trata.

Dedico este texto a todos os Professores que se identificaram com ele. Não sei se lhes digo obrigada ou parabéns. Acho que vocês merecem tudo! São profissionais verdadeiramente abençoados! E fica aqui o meu desejo de que leiam este meu carinho antes que a noite chegue.

Hoje é dia de aula. Deus os recompense pelo mistério do ofício!