quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Sorria, você está sendo...

(Não gosto muito de escrever sobre coisas pontuais, mas esta evolução acelerada das "pegadinhas" de péssimo gosto está me incomodando...)


Quando eu era criança meus pais me ensinaram que era feio rir ao ver alguém levando um tombo. Eu prendi o riso algumas vezes, até que vi minha mãe tropeçar numa calçada em Niterói, bater a cabeça no meio-fio e deixar lá um chumaço de cabelo que demorou a ser refeito... Ver minha mãe cair daquele jeito não teve nenhuma graça para mim, tampouco para ela. Ali eu aprendi a não rir das desgraças dos outros.

Todas as vezes em que caí, gargalhei junto com quem assistia à queda. Um sorriso mecânico de quem quer mais é chorar, correr, sumir.

Todo mundo que já passou por isto sabe a situação constrangedora que é, e sabe que não há graça nenhuma no “acontecimento”.

Quando a gente é enganado por um trote não se diverte. Que satisfação é esta que hoje rompe as fronteiras dos meios de comunicação – com direito a milhares, milhões de acessos virtuais – para deixar doloridas as bochechas dos homens e mulheres que se distraem alegremente ao verem o seu próximo em situação vexatória?

Eu não gosto das agora cada vez mais famosas “pegadinhas”. E ainda que sejam, todas, cenas ensaiadas por atrizes e atores, acho de péssimo gosto difundir a ideia de que pimenta nos olhos dos outros é refresco.

Antes era só um tombinho: escorregar no chão molhado, desequilibrar-se depois de correr bastante, perder o fôlego... Agora a coisa está tomando uma dimensão anti-humana e venho tendo medo disto.

Crescendo, fui aprendendo a estender a mão àquele que caía. Segurei crianças no ônibus, cedi meu lugar para gente que não se equilibrava nas freadas bruscas. E gostei do resultado. Passei a ajudar as pessoas nas ruas, a socorrer acidentados, a ralhar com quem achava graça do que em nada era engraçado.

Hoje fico pensando que os vídeos poderiam ser assim, com situações cotidianas de amor ao próximo registradas em tempo real. E em vez das pessoas torcerem pelos acidentes com suas câmeras prontas para o ataque-sucesso-na-mídia-amanhã estariam sempre alerta para fazerem o bem, na hora exata: colocaríamos o lixo na lixeira, socorreríamos os pedestres desatentos, ofereceríamos água aos animais abandonados, balançaríamos as crianças nos parques, atravessaríamos os idosos nas ruas, diríamos “bom dia!”, “boa tarde!”, “obrigado!”, “por favor!” e muitas, muitas vezes “perdão!”... E, tendo sido filmadas as ações de bem, estariam todas sendo veiculadas no jornal da noite, no programa de domingo, na internet, e as atitudes boas seriam disseminadas pelo mundo afora, servindo de exemplo às milhões de pessoas que hoje choram de rir ao verem alguém se afogando num rio. Hoje os pais só socorrem seus filhos dos tombos no parquinho ou na piscina depois de garantirem o melhor ângulo para a “videocassetada” ficar perfeita! Uau!

Estou passando rapidamente por aqui, só para me livrar de um sentimento que tem me tomado uns pensamentos já faz algum tempo.

Como educar as crianças, deste jeito, se estão ao lado de seus pais na hora do programa onde aparecem as aberrações? Onde está a cidadania, o respeito ao próximo?

Abrindo a página do meu facebook eu vi tantos compartilhamentos de vídeos de “pegadinhas” que temi. Hoje estão rindo dos outros, amanhã será que não cairão?

A reversão dos valores está aí, nos circundando. E vai se dando subjetivamente, às vezes sem que percebamos. É hora de ficar alerta. Pimenta nos olhos dos outros arde, e arde muito. Um bom cidadão diria que nos outros arde mais ainda. O negócio lá propõe ser engraçado, mas não é. E não há necessidade de levarmos um tombo feio na rua ou dividirmos o elevador com um caixão para nos darmos conta de que nada disto é proposta de Deus, nada disto faz bem.

Vamos pensar sobre isto?

4 comentários:

  1. Sinceramente, estou sem palavras... Perfeito!!! Parabéns!

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  2. Excelente! Disse tudo o que eu e, com certeza, muita gente gostaria de dizer também. Coisa séria isso. Parabéns pelo texto e pela chamada à reflexão.

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