quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Natal e nostalgia

(Voltar a São Gonçalo é, sempre, uma viagem emocionante. Nestes tempos de Natal, então!... Tendo me encontrado entre o futuro e o passado do lugar onde nasci, resolvi escrever e compartilhar com vocês.)


Eu fui a São Gonçalo para passar o Natal com minha família. Fiquei quatro dias por lá. Voltei com mais saudade ainda!

Agora, muito próximo a minha casa, há um Shopping Center. Muito próximo! Passei por lá logo que cheguei. Levei umas horas por lá: gente pra cima e pra baixo nas escadas rolantes, filas quilométricas nos caixas das lojas, crianças no colo do Papai Noel... Tudo desarrumado, brinquedos quebrados, uma loucura tamanha que cheguei a sentir vergonha de fazer parte daquela confusão herege. Certamente, se fosse aquele o dia da chegada de Jesus à Terra, eu ficaria esquecida por lá, pelos escombros do templo que, definitivamente, não é de Deus.

Mas um certo orgulho de ter o Shopping tão perto de casa quase que me obriga a visitá-lo, sempre que posso. E eu vou com uma intenção diferente, e quem me conhece vai saber que é verdade: eu vou para olhar o que ninguém olha. Eu vi o progresso, o futuro, a inteligência humana, os dons de Deus experimentados, todos, nas artes que compõem o prédio. A começar pelo elevador que me conduz às lojas, passando pela criatividade nas montagens das vitrines, as possibilidades de venda e compra, os gostos tão diferentes... Ah, Shoppings podem ser festas, a gente precisa saber visitá-los!

Depois de algumas horas circulando, precisei ir ao Centro comprar umas coisinhas. Deixei, então, o conforto dos condicionadores de ar e fui para o “fogo” daquilo que se chama “Rodo” de São Gonçalo. Aí, me basta: sou eu, a de sempre, a relembrar os tempos de menina, a estabelecer as conexões entre este meu tempo que passou e traduziu minutos em anos, décadas, de maneira que tudo o que para mim aconteceu ontem, na verdade, deu-se há vinte, trinta, quarenta anos atrás.

O “Rodo” leva este nome porque era o local onde os bondes faziam a volta, o contorno. Vinham de vários lugares, mas contornavam ali. Eu não conheci os bondes, mas me lembro bem dos trilhos ainda afincados no chão que, em sobressaltos, me faziam levar alguns tombos nas ruas. No meio da Praça do Rodo, o Cinema Nanci, onde assisti a “Se meu Fusca falasse”... O cinema não existe mais. Agora, no local, uma loja “Marisa” oferece promoções natalinas. Eu, no entanto, vejo o cinema lá, do mesmo jeito, bilheteria com fila, catracas velhas e barulhentas girando, e chego a sentir a emoção da espera por ver o filme começar! Não leio Marisa no letreiro. Para mim, tudo o que está escrito é Cinema Nanci.

Andei pouco pelo Centro. Está tudo muito diferente! Temi perder-me entre os vendedores ambulantes, eles se multiplicaram! Passei pela galeria e um cheiro forte de rosas me levou rapidamente à recordação da Casa das Flores, onde mamãe comprava os arranjos aos sábados, para enfeitar a casa depois da faxina. Nossa, que cheiro bom de infância! Olhei lá pra dentro e pude reconhecer, num senhor de cabelos extremamente branquinhos o “moço” que nos atendia àquela época. A loja está mais bonita, há bem mais funcionários, mas está lá, no mesmo lugar, e eu – juro! – só consegui vê-la velha, do jeito que era quando eu era tão criança! Fechei os olhos, inspirei, e lá estavam as flores do tipo gipsy a tomarem conta do meu olfato. Que tardes felizes aquelas em que se punha arranjos de rosa e gipsy na mesinha da sala lá de casa!

Olhar a estrutura do Shopping do Centro de São Gonçalo foi uma experiência, no mínimo, diferente. Meus pés no asfalto quente do Rodo, meus olhos no Rodo que Antônio conhece. Nada de bondes, nada de trilhos ameaçando-nos os passos. Um monstro ergueu-se e levou nossos sonhos embora. Hoje é mais urgente comprar na Marisa do que ir ao Cinema Nanci.

Caminhando de volta pra casa, reconheço algumas coisas, o que não foi desfeito ou refeito por esses homens que não gostam do passado: há sempre alguém que mantém sua casa como era há trinta anos. Eu vi a casa onde brinquei quando muito menina! Lá ouvi os disquinhos coloridos da Disney, que narravam as mais lindas histórias infantis! Lá fui a Cinderela, a Bela Adormecida... Lá enveredei nas aventuras de Alice no país das Maravilhas! Lá sofri por um Pinóquio perdido, cantei com Mogli e o seu amigo Elefante, lá conheci os gatinhos que “vieram do Sião há três meses e que chamam de siameses”... Lá vivia o tudo que era a minha vida, até ouvir mamãe me gritar do portão, avisando da hora de ir embora da casa de Tânia.

Nunca mais vi Tânia. E a lembrança de um tempo em que fui muito feliz está lá, no chapisco dourado no cimento bruto do muro. Quando passei por ali de carro, desacelerei. E o silêncio preenchido de emoção me trouxe aos ouvidos as músicas, a narração das histórias, o tom de azul do disco preferido, o alaranjado da vitrolinha de onde saía aquela emoção toda que sempre me acompanhou...

Na verdade, eu não fui ao Shopping. Eu fui viver um pouco, fui recordar. Este era o real desejo de Deus quando sussurrou-me a sugestão do passeio. Pensando bem, talvez eu me livrasse, sim, do dia do Fim, posto que talvez nem estivesse prestando atenção à promoção da loja e, sim, tentando descobrir o que tinha sido, antes, no meu tempo de criança, aquele prédio.

O sol quente demais me levou ao banho, quando cheguei em casa. E quando o chuveiro derramou a água mais gelada e deliciosa do mundo sobre minha cabeça fervendo – mais de emoção do que de calor – fui abençoada com mais uma lembrança gostosa: a água que saía do chuveiro do Clube Tamoio quando íamos, eu e minha irmã, para a piscina. Eu tinha uns oito anos. E há três dias tive oito anos sob o chuveiro lá de casa. Meus pensamentos e meu coração me levaram ao box onde tomávamos uma ducha fria antes de entrar na piscina do clube. Que saudade! Às vezes os boxes ficavam sem chuveiro, a água caía direto do cano, chegava a machucar a cabeça. Eu senti aquela dor, aquele desconforto maravilhoso há três dias! Onde foram parar meus oito anos?

Hoje meu filho tem seis. Está caminhando para seus sete anos. Feliz, há mais de dez dias na casa dos avós, anda sem chinelos, sem banhos controlados, tomando sorvete, com a cabeleira crescida, e talvez seja o menino mais feliz da rua onde está. Antônio daqui a trinta, quarenta anos recordará com carinho deste tempo que hoje é o dele. Certamente, nos dias que antecedem o Natal estará com sua memória afetiva aguçada e lembrará com carinho e nostalgia do avô sentado ao chão consertando, já, o brinquedo que acabara de ganhar. E da avó, sempre na pia da cozinha, preparando-lhe o suco preferido, ou a guloseima da vez.

Família é tudo. Viver é tudo. Recordar é tudo. Ser feliz é tudo. E tudo urge, porque o tempo passa rápido demais. Escrevi algumas poucas coisas, das inúmeras das quais me lembrei por esses dias. Eu desejo um São Gonçalo de lembranças maravilhosas para Antônio! Eu fui feliz por lá, voltei com saudade de ser feliz de novo!...

O tempo não para. Obrigada, meu Deus, por me lembrar disto, todos os dias. Na estrada, já voltando para Iguaba, um corpo coberto por um plástico preto engarrafava o trânsito enquanto se despedia da vida. Aquele se foi. Bendito seja quem sabe viver!

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