segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Uma semana

(As ilusões são criadas pelas pessoas... Quem vive ou viveu um relaciomento a dois vai entender Mariana. Ou entenderá Davi.)

Bastou uma semana para você perceber que as ilusões são criadas pelas pessoas.
Afastados por dois meses – porque você pediu “um tempo” – vocês retomam a relação. Davi voltou com um punhado de promessas na ponta da língua. Você quis tentar mais uma vez, porque acha que ainda o ama. “Se as promessas forem cumpridas...”, diz a si mesma, embora intimamente desacreditada.
Ficam juntos por uma semana. Davi é, exatamente, o mesmo homem.
Numa manhã de quarta-feira você o vê sair de casa para trabalhar. Ainda sonolenta, observa o jeito dele de tomar apressadamente o café, observar as manchetes do jornal do dia, deixar a xícara em cima da mesa da cozinha e o pijama no chão do banheiro, procurar as chaves do carro xingando todos os palavrões, e deixar a casa, finalmente. Os portões da garagem abertos e o último grito: “Amor, fecha pra mim?”
Você volta pra cama, agradece a Deus por ser aquele o seu dia de folga. Quando dá por si está agradecendo a Deus também por ser dia de expediente – e hora-extra – pra Davi. Hoje será um dia de paz em sua vida.
Opção errada a de retomar a história com ele. As ilusões são criadas pelas pessoas. E você começa a refletir... Lembra da história, desde seu início... Não precisa nem de espelhos para falar com você mesma...
Não existe príncipe encantado, nem cavalo branco. Depois do primeiro encontro não há flores vermelhas com bilhetinho romântico, tampouco telefonemas.
Se o jantar é num belo restaurante, a conta será dividida. Isto se ele não disser que esqueceu a carteira em casa.
A conversa durante o jantar é boa? Ele está mentindo, ou omitindo, ou decorou alguns temas consultando a internet.
O anel entregue na caixinha é folheado a ouro. E pertencia à mãe ou à irmã dele, que a essa hora está dando por falta da bijuteria.
Mas, mesmo assim, com todas essas evidências, você aceita o convite: Ele quer se casar com você.
Você está eufórica: daqui a alguns meses terá o homem dos seus sonhos ao seu lado: cavalheiro, educado, cortês, alguém para lhe ajudar a pagar as contas...
Ele está eufórico: daqui a alguns meses terá uma namorada-amante para lhe fazer companhia, todos os dias e todas as noites, aquecendo seus pés e orelhas quando sentir frio, cobrindo-o quando a colcha escorregar e...
... lavando suas roupas sujas (incluindo as íntimas!), preparando almoço e jantar para as horas em que sentir fome, pendurando a toalha no varal quando jogá-la na cama, arrumando toda a casa, recolhendo a sujeira dos seus cachorros, assistindo ao canal de TV de sua escolha, torcendo pelo seu time, preparando uns petiscos, também, quando o futebol for assistido junto com os seus amigos convidados sem prévia consulta... Daqui a alguns meses ele terá a seu lado a sua mulher de verdade! A Amélia, digo, Mariana. A garota ideal para lhe ajudar a pagar as contas, porque tem um emprego excelente e estável no Banco do Brasil.
Depois da festa do casamento (que sua família bancou), a lua-de-mel. E ele vai contar o dinheiro arrecadado com o corte da gravata para ver o que dá pra fazer. Sua primeira desilusão.
Conversando sobre filhos, depois de consumada a noite de núpcias e de ele ter dormido profundamente e roncado absurdamente sem deixá-la sequer cochilar, enquanto você lhe conta do sonho de ter dois – de preferência um casalzinho - quem sabe gêmeos?! – ele diz a você que tanto faz, porque ele já tem um casal de filhos do primeiro casamento. E acrescenta, ainda com um hálito desagradável: “se você não quiser ter, por mim, tudo bem”. Sua segunda desilusão.
A terceira desilusão vem quando as contas chegam e ele começa por dividi-las afixando ímãs na geladeira: cada lado é responsabilidade de um. E você percebe que o seu lado está sempre em desvantagem. Tenta argumentar com ele e ele diz que é assim porque você ganha mais. E, pela primeira vez, você quer morrer.
Quando reconstrói a história na cabeça se entristece, se arrepende, se revolta. Levanta da cama que agora lhe parece desconfortável. Quando vai à cozinha percebe mais um ímã na sua “conta” - a assinatura do celular dele vence hoje - e decide voltar a ser sozinha.
Deixa um recado na caixa de mensagem dele, solta os cachorros, troca as fechaduras, queima todas as contas e volta pro colchão, que agora lhe é mais convidativo...
As ilusões são as besteiras criadas pelas pessoas. O que existe, de fato, é o que é verdadeiro. Mariana se cansou. Agora, mais aconchegada nas cobertas, dorme tranquila enquanto agradece a Deus por ter tido esses sete dias para se convencer de que é melhor viver sem Davi.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Marli

(Alguém aí conhece Dona Marli, a Diretora da Escola...? Eu conheço. Ela está aqui, no texto de hoje. E as semelhanças não são mera coincidência...)

Eu a conheci há doze anos. E passei a ser só mais uma dentre tantos – quiçá todos – que a conheciam aqui em Iguaba Grande. Marli, a Diretora da Escola (aqui na cidade as pessoas trazem consigo uma referência. A de Marli é a de ser Diretora).
Uma mulher maravilhosa. Sempre ao lado de sua fiel companheira de trabalho Guiomar. Aquelas duas escreveram seus nomes na história de Iguaba. Mas Marli encontrou, ao longo dos anos, já quase no final da carreira, quem a fizesse desistir.
Hoje, numa das minhas idas rotineiras ao mercado, conversei sobre Marli com uma amiga. E ficamos nos perguntando: “cadê ela?” E o que vou escrever agora é o que penso ter acontecido. Perdoe-me, Marli, se não for a verdade.
Marli desistiu de remar contra uma maré que não ia para o mesmo lado que ela. Marli adiantou sua aposentadoria, requerendo licença prêmio. Pra qualquer um isto pode soar naturalmente, mas não para quem conhece Marli de verdade.
Marli desistiu, como muitos. Iguaba perdeu muitos de seus profissionais competentes. Gente que queria fazer algo de bom, gente que queria construir. Poucos ficaram, porque bravos e insistentes guerreiros ou porque cansados ou sem oportunidades para fazê-lo.
Um erro, com o peso de um pecado, querer-se misturar política (digo desta o lado escuso) com Educação. Vaidades fazem as pessoas passarem por cima das outras sem sequer pedirem licença ou desculpas. E atravessaram aquela mulher (que tudo o que sempre soube fazer foi gerir uma Escola) de forma tão traiçoeira que teria sido mais elegante convidá-la a se retirar.
Eis meu desabafo, era só o que pretendia. Olhando pra Marli hoje vejo a mesma mulher a quem admirei quando conheci: Às vésperas de aposentar-se anda cuidando da saúde de sua mãe, agora com mais tempo e disponibilidade. Decerto dedicando-se mais, também, ao esposo, bênção recebida já quando não mais esperava (Marli deixava mãe e marido para consagrar-se ao cotidiano da Escola, ao seu escabroso papel)...
Tudo isso lhe rendeu o título de Diretora aqui em Iguaba Grande. Título que a enobrece, posto que homenageia aqueles que estão na real luta em defesa dos nossos pequenos, dos que nada têm a ver com os caprichos de quem se julga grande quando está no poder.
Perdeu Iguaba, perdemos todos. Fica, a Escola, à deriva, oferecida a todos os que acenarem com um sorriso...
O lado pobre – ou podre? – da política calou Marli. Calou a mim, também, que procurei outro lugar pra trabalhar, cansada que estava das perseguições mesquinhas... Calou a toda boa gente que hoje está fazendo o bem em outros municípios...  A dureza da política levou Madá de nós. Quem saiu ganhando neste jogo covarde?
Digo a vocês que quando encontro Marli vejo uma mulher sorridente, um tanto mais descansada, talvez. Mas não há quem me esconda o fundo dos seus olhos. E lá vejo uma tristezinha, uma saudade que não passa dos tempos de Direção.
Marli, eis-me aqui, em sua defesa. Porque ainda que o tempo passe jamais deixarei Iguaba esquecer-se de você, do bem fez aos nossos alunos cada dia que visitando as salas de aula lhes disse “bom dia”, ainda que o cumprimento precedesse a uma bronca sem tamanho. Porque educar é isto, também. E estou certa de que cada aluno que passou por suas escolas compôs-se do que você representou para eles. E foram muitos os alunos.
Quem escreveu uma história de encalços e covardia não pode apagar a história escrita por gente do bem. Se alguém me perguntar se conheço Marli direi, enquanto viver, “conheço sim, a Diretora da Escola”...

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Volta às aulas

(Estou muito feliz por poder confessar meu verdadeiro desejo nestes tempos de retorno à Escola. Aos profissionais do magistério - todos! - meus amigos peço que, antes de irem para suas Escolas e Secretarias, dediquem um tempinho à minha mensagem...)


Certa vez trabalhei à noite numa escola daqui de Iguaba. Lá matriculou-se José, um aluno que sempre chamou-me a atenção pelo bom comportamento: educado, calado, preocupado em estudar. Assíduo, inclusive, coisa que pouco se vê na rotina do terceiro turno. Fez os quatro últimos semestres do Ensino Fundamental e foi-se.
Tempos depois fomos – eu e o pessoal da secretaria da escola – visitados por policiais militares. Estavam à procura do “Índio”. Observados os registros das matrículas naqueles determinados anos e comparando as fotos que traziam consigo com as que compunham os documentos dos alunos, concluíram ser José o homem procurado. Informamos aos policiais que ele já havia concluído os estudos. Lamentando, eles se foram, certos de que não mais o encontrariam. José estava sendo procurado por ter estuprado uma menina de três anos num outro estado...
Uma vez visitei a Delegacia local daqui para prestar depoimento sobre um assalto à mão armada que sofri dentro de casa. O delegado, então, mostrou-me um álbum de fotos de pessoas já detidas por pequenos furtos ou roubos em residências, com o objetivo de que eu reconhecesse aquele que havia “visitado” meu lar. Quando comecei a folhear encontrei no álbum muitas fotos de ex-alunos das escolas em que trabalhei. A maioria, os mais tranquilos...
Em outra situação um aluno de excelente comportamento repentinamente apareceu vestindo saias comunicando-nos que agora queria ser chamado de “Roberta”. Em outra, um tanto similar, a menina de boas notas compareceu com sua mãe solicitando ser tratada como “João” daquele dia em diante...
Conheci também uma menina de baixíssima estatura, aluna do 6º ano de escolaridade, que não almoçava na escola. E só descobrimos o motivo num conselho de classe de fim de ano: ela não alcançava o balcão do refeitório e envergonhava-se de solicitar a alguém que lhe fizesse este favor. Difícil crescer uma criança que não se alimenta! Uma outra não ia ao banheiro da escola porque suas pernas deficientes não alcançavam o sanitário. A escola não providenciou o acesso digno àquelas meninas. Uma não almoçava. Outra, esperava a hora de ir para casa para usar o banheiro...
O pai de família que golpeou a esposa e os três filhos com uma foice havia estudado numa de nossas escolas, também. E deve ter sido “bom aluno”, como foram “diagnosticados” o menininho que atirou na Professora em São Caetano e o rapazinho lá de Realengo... Os dois se suicidaram, não foi? Não me lembro bem...
Quando as aulas começarem estarão todos lá: o estuprador, o bom menino, o assaltante, o inteligente, o bêbado, o baixinho, o gênio, o tímido, o extrovertido, o alegre, o sofredor... Estarão lá, misturados numa fila indiana, com seus olhares cheios de expectativa acerca do que será do ano letivo que se inicia. Estarão lá, como estivemos um dia nós, Professores, Diretores, Orientadores Educacionais, Supervisores e Inspetores Escolares, crianças que fomos, ou como adultos que voltam ao ambiente escolar para dar conta de um atraso acontecido por algum motivo mais forte.
Importa que estejam lá, pela primeira vez ou retornando. Eis o meu grito por socorro!
Alunos nossos não podem nos surpreender com decisões tomadas a respeito de comportamentos (muito menos devem ser avaliados pela forma como se comportam). Temos que estar intencionalmente alerta. De nada adianta preocuparmo-nos com o currículo se continuamos sendo pegos subitamente com manchetes de jornais que dão notícias de homens e mulheres – agora também de crianças! – que já passaram por nossas mãos!
O menino que resolveu ser menina, e a menina que resolveu ser menino não tomaram a decisão sem sofrer (como é sofrida na adolescência, também, a decisão do menino de ser menino e da menina de ser menina). Tampouco, de uma hora para a outra. Passaram por situações conflitantes. Seus corpos provavelmente falaram durante um bom tempo, inclusive na escola... Quem foi que percebeu? Quem está hoje na escola, como professor ou técnico, atento aos amores, às paixões, às circunstâncias de maravilha e temor que compõem a adolescência?
A história de toda essa gente já foi contada. Umas até estampadas em jornais. Mas quando o sinal da escola tocar anunciando a hora da forma estarão lá, no primeiro dia de aula, todos os atores dos próximos capítulos que construirão a história nova. E não podemos nos esquecer de que somos coadjuvantes dessa história também.
Meus ex-bons alunos eu reencontrei. Estão todos bem, graças a Deus. Os ex-maus alunos perderam-se de mim. Sinto saudade de Luís, um menino que em 1993 quando ameaçado pela mãe por alguma travessura feita dormia numa pocilga, o que o fazia faltar à aula do dia seguinte. O odor fortíssimo do lugar impregnava suas roupas e era fácil descobrirmos onde tinha passado a noite. Uma vez presenciei a Coordenadora repreendendo Luís. E chorei junto com ele. Nunca mais esquecerei o olhar fixo dele no meu: cumplicidade.
Estamos todos - nesse contexto virtual em que vivemos – carentes de cumplicidade. Eu não quero mais ver a escola (ou a inoperância dela) nas entrelinhas das manchetes de jornais. Quero reaver o orgulho, o sentimento de dever cumprido latentes nos corações daqueles que se dizem profissionais do magistério. Na última vez em que fui Diretora de escola, trabalhei com o vestido molhado das lágrimas de um aluno a quem dei colo quando confessou estar apaixonado por uma colega de classe. Hoje, eles estão pra casar. Valeu a pena!
“Volta às aulas”... Ainda tenho a esperança de que um dia isto nos soe, verdadeiramente e para sempre, como um excelente convite!  Não somente a sermos bons educadores, mas também a sermos integralmente humanos.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Crescer sem pedir licença

(Este texto eu escrevi em setembro de 2009 quando, tendo assumido a Chefia da Inspeção Escolar, pude ter a honra de conviver com sete pessoas que se tornaram meus verdadeiros amigos. E conviver com eles aquele ano foi, sem dúvida, compensação por muitas coisas por que passei.)

Antônio está crescendo sem me comunicar antecipadamente: ponho um menino de um tamanho no berço para dormir e acordo um outro, já notavelmente maior, para ir à Escola. Antônio está crescendo. Sentado para calçar o sapato da Escola, noto que precisa de um novo. Forçado a vestir um casaco apertado, noto que precisa de um novo. Pedindo “mais” quando termina as refeições, noto que precisa de um prato maior. As canelas de fora quando de calça comprida, os punhos de fora no inverno... os dentes, que conto cada dia mais quando escovo. Enquanto cresce, envelheço, e não peço licença a ele, também.
Vocês estão crescendo, e ninguém me pediu licença. Quando olho pra Luciane penso sempre que sua mãe só deve ter se dado conta de que já era uma mulher quando anunciou a gravidez ou, quiçá, quando lhe apresentou a netinha. Tiago está aí, à beira do casamento (alguém em casa já percebeu isso?). Observando os cuidados de Anna Paula com sua mãe, creio que já estejam confusas as posições em família: Anna cresceu, e agora cuida de sua mãe. Lillian cresce diariamente, a despeito da fita métrica que ousou contê-la: é desafiadora e não tem limites. Fernanda é conselheira sábia. Dona de maturidade e inteligência que só crescendo se adquire. Gisele me informa os crescimentos, compartilha sempre comigo o que se intimida de falar ao grupo: que é, a cada reunião, cada encontro conosco, um ser diferente, acrescido de nossas trocas. É autônoma, e sempre que me consulta sobre uma decisão está correta já em suas atitudes. Luana, atrevida como quem cresce, dá passos de coragem enfrentando os desafios do que lhe apareceu pelo caminho. Assim como em tudo orgulho-me no desenvolver de Antônio, sinto-me igualmente orgulhosa no despontar de vocês. Percebo que alguns fazem deste nosso cenário um ponto de partida para outros fins: Tiago é passageiro, estada breve e, no entanto, marcante. Dono de qualidades que já havíamos até esquecido possuir um homem. Certamente não será este aqui o seu destino. Voará alto, até encontrar quem o mereça no ambiente de trabalho. Da mesma forma não enxergo ser aqui o lugar de Luciane: é, da mesma forma, passageira. Possuidora de inteligência e responsabilidade suficientes para ir além, muito mais! Enriquecida com os méritos de ser mãe, findado o cansaço deste compromisso (se é que ele se finda), voará também se despedindo de nós, muito em breve.
Outros mares levarão Anna Paula de nós. Sua sabedoria e esperteza jamais fincariam pé por aqui. E ainda ouviremos falar muito nesta menina, e nos orgulharemos por tê-la conhecido: “Ah, lembro-me dela! Trabalhou comigo certa vez...”, diremos quando informados do destino que ela tomou. Também Gisele que, diante do despertar para a função, assumirá novos projetos de vida, de profissão, e se lançará ao que é maior, e seguirá adiante, olhando pra trás somente para relembrar nossas risadas e fotografias.
Luana certamente estará no grupo alimentando-se do que nos for possível alimentarmo-na. Depois, tomará sua decisão, com firmes passos, de se ir. E diremos adeus a ela, admirados por notarmos sua evolução profissional. Luana, pra mim, é uma criança. Mas vejo uma mulher forte no seu interior batendo à porta para sair. Eis que dará chance à liberdade da mulher, e veremos a grande pessoa em que se transformará. Paralelamente à sua ida estará indo também nossa baixinha querida, Lillian. Não é este o lugar de sua parada, eu creio. Ela quer mais, seu corpo fala. Dedicada, persistente, batalhadora, e dona de um coração que não tem tamanho encontrará em outros espaços lugar digno para brilhar justamente o que merece.
Enquanto vocês vão crescendo, vou me acomodando à situação, me preparando para o crescimento de Antônio – que será muito mais acelerado e independente! Satisfação, só em saber que onde estiver terei Fernanda como minha Chefe, ou alguém duvida de que este será seu destino? Ela, na liderança, com todas as suas habilidades à flor da pele, para garantir a quem estiver na labuta que a justiça deve ser feita, e que o Serviço de Inspeção Escolar deve ser visto e compreendido como “ápice”(rs). Aposto todas as minhas fichas nela. E isto não é desejar que fique assim para sempre, mas desejar que adquira também esta experiência, ao longo da vida rica que terá.
Vocês são, de fato, flores no meu caminho árido: brotam, desenvolvem-se por conta própria, enquanto eu só cuido para que durem por muito tempo, e com o viço do início. Deixam o perfume no ar, misturam-se criando outros. Fazem-me feliz quando estou triste, alegrando-me a alma. Neste tempo em que ando me sentindo tão demasiadamente sozinha florescem, quando imaginava só ter estrada de pedras pra percorrer.
Eu quero agradecer hoje, porque não sei por quanto tempo estaremos juntos (já escrevi isto antes, não?). E o faço, humildemente. Não fosse por vocês e não saberia que destino minha vida tomaria. Crescendo diante dos meus olhos de “mãe”, fazem-me acreditar que posso crescer também. Mais que isto, que sou co-responsável pelo que se tornam.
Vão! Eis que um dia, percebendo que seus ovinhos de antes se tornaram passarinhos, a ave mãe os empurra para fora do ninho, para fora do galho, para fora da árvore. E ainda que isto nos pareça decisão de uma mãe desnaturada, é ação imprescindível para que alcem voo. Ainda que caiam, voltam a voar. E o destino, cada um toma o seu pela forma como interpretam, com ousadia ou não, as quedas que acontecem.
Eu desejo um Antônio ousadamente feliz.
E desejo, com ousadia, que vocês sejam felizes também. Mesmo que isto signifique tê-los longe de mim. Se depender de minha “licença” eu a concedo, desejando-lhes que cresçam, ilimitadamente, pra sempre!

sábado, 21 de janeiro de 2012

Provar o amor

(De que precisamos para conhecer o amor? Será preciso alguma coisa?)


Eu não fui criada ouvindo muitos “eu te amo”. Meus pais nunca foram de muitos carinhos. Lembro que algumas vezes escrevia a frase “Ninguém gosta de mim” nuns papeizinhos e jogava na sala enquanto a família assistia à TV. Numa dessas vezes meu pai veio ao quarto perguntar-me o porquê daquilo... Não me recordo do restante da conversa. Talvez tenha me dito que eles me amavam, sim, e que era hora de eu catar a lixarada do chão.
Abraços, beijos, toques, jamais. Qualquer proximidade era reprimida, quase como se fosse falta de respeito. Mas eu era esperta, e sempre que podia inventava uma “sensação de febre”: pronto, lá estava minha mãe a pôr a mão em minha testa. Curioso, depois de repetir a artimanha mais de uma vez, ela percebeu que o intuito era outro que não tomar o antitérmico. Mas, mesmo assim, manteve-se – sempre – afastada.
Tendo vivido assim, procurando por motivos que os fizessem chegar mais perto ou dizer que me amavam, cresci. E quando a adolescência chegou bagunçando tudo o que em mim havia de arrumado no que eu julgava ser sentimento, não me saí muito bem.
Eu me apaixonei por cada sorriso que encontrei pelo caminho, por cada palavra de amor que ouvi. Primeiro, as músicas. E não foram as minhas contemporâneas, não. Foram as de outrora, muito outrora: Orlando Silva, Dolores Duran, Elizete Cardoso (quem canta o amor melhor do que ela?), Antônio Maria, Nelson Gonçalves, e tantos cantores e cantoras de rádio que contavam pra mim que o amor existia de verdade, e que era possível transformá-lo em ações...
Depois, os meninos da escola, e do meu caminho. Os meninos da escola que escreviam bilhetinhos ou que apenas diziam para as minhas amigas que eu era bonitinha... Os do meu caminho, que tinham frases a dizer-me quando eu, estrategicamente, passava.
Comecei a trabalhar com quinze anos. Há alguns anos atrás quinze anos era pouca idade pra começar a namorar. Eu nunca namorei. Obedeci aos meus pais (Eu lembro que quando estava na sétima série um colega de classe pediu-me em namoro. Perguntei em casa se podia. Minha mãe disse que não. E eu disse não a ele. Funcionava assim, lá em casa. Funcionava assim, comigo).
Minha carência nunca foi a de ter namorados, mas sempre de sentir-me amada. Na época em que comecei a trabalhar, o percurso de casa ao trabalho era permeado por palavrinhas “de amor”. E tudo o que eu ouvia era o amor que eu supunha ser dito, todos os rapazes estavam apaixonados por mim. Minha inexperiência fez-me entender errado o que era amor.
Aí, foi minha vez de me apaixonar. E – imagine! – fiz tudo errado: sempre pelas pessoas erradas (logicamente, as que tinham as melhores frases...), sempre sofrendo demais, sempre me equivocando nas atitudes, me atrapalhando nos sentimentos. Eu tenho tristes histórias de amor – do meu amor – pra contar...
Talvez minha amiga Mariza Brum me diga que isto é meio óbvio: carente desde a infância... Não seria de se esperar coisa diferente. Eu, nada relutante, concordo com Mariza (até porque acho que meus pais não lerão este texto).
Findadas as procuras – uma vez que mal sucedidas – pelas físicas provas de amor, restou-me aos quarenta e três anos abraçar e beijar, incansavelmente, meu filho Antônio. E dizer a ele infinitas vezes que o amo, amo, amo, amo, enquanto rezo para que quando chegar a hora de ele escrever os bilhetinhos na escola ou de recebê-los saiba diferenciar o que é falso do que é verdadeiro.
O amor dos meus pais é verdadeiro, eu sei. Está retratado na preocupação que ainda hoje têm comigo, nos Natais que passamos juntos (quarenta e três Natais!), na certeza de se ter a quem recorrer no caso de qualquer necessidade. E eu estou conseguindo, muito lentamente, até por conta da distância que hoje me separa deles, uns abraços quando vou visitá-los.
Bom começo! Mas, sinceramente, olhando pra trás e vendo o rastro desordenado dos amores que vivi, temo por não ter sido este um começo tardio demais.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Muitos universos e uma só mochila

(Antônio carrega alguns universos na mochila dele. E eu queria saber sobre a tecla "pause" do tempo...)


Ando procurando pela tecla “pause” do tempo. Eu queria congelar Antônio.
Quase seis anos e muita inteligência, esperteza e uma vitalidade que lhe cora a boca, as bochechas e ilumina o olhar. Aqueles olhinhos de jabuticaba...
Preparei Antônio para sairmos de casa, ontem. Íamos passear. Quando já estava para entrar no carro ouvi dele um “peraí”. Antônio entrou em casa de novo. E de lá saiu com a mochila nas costas.
Na mochila de Antônio – ele a carregava nas costas com o sorriso mais lindo do mundo – havia um universo, que fui descobrindo enquanto ele tirava as coisas de dentro pra brincar no carro durante a viagem: o bonequinho “Ben 10”, umas duas tampinhas de garrafas, algumas peças de montar, um carrinho que já não tem uma das rodas, um bonequinho da turma do “Era do Gelo”, uma tesourinha, o meu funil e o meu descascador de batatas. Ah, tinha também o fixador do chuveirinho, que ele conseguiu, “sem querer”, retirar da parede do box.
Antônio fez a viagem, nos primeiros minutos, observando atentamente a janela do carro. Cara séria, testa franzida por conta do vento. “No que será que está pensando este menino?” dizia eu para mim mesma, talvez mais preocupada em saber dos pensamentos dele do que com o trânsito nas ruas. De vez em quando eu lhe perguntava se estava tudo bem. Ele acenava um “sim” com a cabeça.
Depois de observar o caminho e de muito refletir, Antônio decidiu brincar no banco do carro. E lançou mão de sua mochila mágica, guardadora do universo! Retirou os brinquedos, separou com absoluta convicção os “seres do bem” e os “monstros do mal” e começou a brincar. Às vezes os heróis precisavam fazer muitas estripulias para salvar a humanidade e, aí, eu sentia algumas pequenas pancadinhas na cabeça...
Antônio é só uma criança, e já me ensina tanto! No sinal vermelho do trânsito olho pra ele pelo espelho retrovisor. Ele me olha. Nada dizemos. Sorrimos. O sinal verde anuncia que é hora de cortar o cordão. Volto a dirigir, torcendo para encontrar um novo sinal fechado à frente.
Aqueles objetos da mochila vão alternando suas funções se a viagem é demorada. Tudo pode acontecer com seis ou sete coisas que são pegas na hora do “peraí”... E quando há cansaço, a janela é novamente o convite. E lá recomeçam os pensamentos que eu – por Deus! – queria tanto saber quais são. Mas eu não pergunto isto a Antônio. Deixo-o só. Respeito. Quando dou sorte, ele faz uma pergunta (“Mãe, como os homens fazem os videogames?”, “Mãe, por que existem as baratas?”, “Mãe, como as vozes das pessoas saem no celular?”, “Mãe...), e aí descubro em que estava pensando. Mas não é sempre, é quase nunca.
Eu também tenho uma pergunta pra fazer: Como é que se aperta a tecla pause do tempo? Quando Antônio crescer, já não será mais de universos a mochila composta. Quando viajar comigo, talvez queira assumir o volante. E na viagem pouco saberá dos meus pensamentos... Um consolo: pode ser que nos olhemos, ainda, fixamente, durante o vermelho dos sinais.
Ele está dormindo agora, enquanto escrevo. Quando acordar, vai me abraçar, vai querer contar-me sobre os seus sonhos. Eles sempre estão lá, os heróis da mochila do dia. Eu e ele vamos nos sentar no sofá e participar de mais uma grande aventura! E eu, juro por Deus, estou louca para que essa hora chegue, porque enquanto não consigo apertar o pause do tempo posso manter minhas mãos no replay... enquanto Deus permitir.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Herminia

(Pra quem ama Herminia Simões, torceu e torce por ela... Pra quem ainda não teve o prazer de conhecê-la... Pra quem quiser conhecer-me um pouco mais...)


Quantos centímetros são necessários para conter uma mulher?
Ela é pequena. Disfarça o que a natureza não lhe pôde dar com sapatos de saltos altos. Alguns centímetros fazem toda a diferença.
Pra mim, sempre foi grande. Eu a conheci animada, sorridente... Recepcionou-me – garota estranha, inexperiente – como se já me conhecesse há tempos: “Sou Herminia”. Sorriso largo, abrangente, contagioso, inesquecível.
De lá pra cá a amizade foi fortificando: caronas no seu carro, visitas às escolas em sua companhia. Ela ensinou-me o que fazer, e como fazer. E eu, nova, recém-chegada a Iguaba Grande, deslumbrava-me cada vez que estava com ela: que mulher surpreendente! Muitas gargalhadas, muitas histórias pra contar da época da 9ª Inspetoria do Estado do Rio de Janeiro. E todos os dias eu pedia a Deus para chegar ao tamanho dela.
Eu conheci uma Herminia independente, linda, charmosa. Terminadas as visitas, enquanto eu ou Madalena – dolorosa saudade! – redigíamos os Termos ela abria a bolsa e de lá saíam os artefatos para enfeitar-se: o pó-compacto, o blush, o batom. Ríamos disto, sempre. Escovados os cabelos, Herminia despedia-se de todos com beijos e sorrisos. A presença dela na escola era sempre, pude testemunhar, sinônimo de alegria.
Até que deixou de ser nossa companheira para assumir um cargo importante em seu município. Só aí me dei conta de como ela era ainda mais competente do que eu imaginava! Meu Deus, eu pensava, essa mulher está pronta para assumir um cargo desses, e comporta-se com essa humildade!...
Aí veio a glória, a satisfação, o prazer, a emoção pelo reconhecimento que jamais esperava dela, pelo pouco tempo em que tínhamos estado juntas: ela me convidou para fazer parte de sua equipe de trabalho na outra cidade. E havia menos de um ano que tínhamos nos conhecido!
Mas Herminia é isso. Uma mulher inteligente que para além de humana tem faro profissional. Apostou “suas fichas” em mim. E eu fiz de tudo para não decepcioná-la.
Quem constrói para si uma vida assim vive à mercê dos que querem as coisas a qualquer preço. Quem constrói uma vida de bem, carrega consigo o fardo das consequências das tentações do mundo.
O lado mau do mundo adoeceu Herminia. Ela entrou com tudo no seu novo trabalho: incansável, determinada, justa, p-o-d-e-r-o-s-a! E, quando deu por si, estava doente. O corpo deu os sinais, como que impondo freios para uma velocidade que parecia irredutível.
Enlouqueci ao saber de Herminia. O choque por ter perdido Madalena – outra referência de vida – tão recentemente, e de nem ter tido tempo de recuperar as forças e agora saber que Herminia não ia bem foi forte demais.
Foi quando vi uma Herminia do tamanho que era, de verdade. Foi preciso que eu a visse pequena para crer. Foi quando vi que Herminia media menos do que eu.
Deus me deu um presente quando oportunizou-me ver Herminia doente. Porque eu jamais creria – pequena que sou – que é possível alguém superar tamanhas dificuldades e vencer. Não que eu duvidasse disto. Mas Deus hoje me faz testemunha de que Ele existe. E cura.
Passados alguns anos (uns três ou quatro) deparei-me com uma enorme Herminia dia desses. Linda, num vestido branco, sapatos de salto, sorridente como antes, curada. Controlando os mal-estares com remédios? Quem não os controla assim? Monitorada pela família? Quisera eu ser também! Obedecendo a dietas? Não é a única, certamente. Mas estive com uma Herminia Viva, esplendorosa, radiante, como a conheci há doze anos atrás.
Que seja Deus louvado por mais esta vitória! E que tudo pelo que Herminia passou sirva-me de aprendizado, como foi sempre, desde aquele dia em que adentrei a Secretaria de Educação de Iguaba Grande e a conheci. Aquele dia modificou radicalmente a minha vida. Obrigada, Senhor.
Amém!

Encontro marcado

(Todo mundo tem uma história de um encontro marcado para contar... Ela também tem.)
Anoiteceu e ela prepara sua noite... Escolhe o vestido e a lingerie que melhor combina com ele. Entra no banho, perfuma-se.
No som, a música mais bonita, a mais romântica que conhece. Ouve-a uma, duas, várias vezes. É esta, não há outra. É a ideal.
Verifica a geladeira: está o vinho na temperatura correta? Será a melhor bebida a oferecer? Não há dúvida. A massa cheirosa no forno, quase pronta, pede o vinho. Correta a escolha!
Ela olha o relógio, e percebe faltar muito pouco tempo. Ensaia a maneira certa de abrir a porta da sala, ensaia várias vezes. E também o que dizer no primeiro segundo. Corre pro espelho e ajeita o cabelo. O batom toca levemente os lábios, para que possa parecer ser casual. Aperta as bochechas para corar o rosto. Define o decote. E põe um pouquinho mais do perfume, diante da dúvida se já o havia feito.
Olha as janelas, observa o quarteirão. Seus ouvidos, atentos, procuram pelo ronco do carro. Mas ela percebe que chove um pouquinho, o que torna os barulhos da cidade mais abafados.
Fecha os basculantes empenados evitando a entrada da água lá de fora. Corta o dedo. Leva o dedo à boca para estancar o sangue. Teme usar o remédio e sujar a roupa...
O aroma da massa avisa que está no ponto, é hora de desligar o forno.
Na cozinha, ela olha o relógio mais uma vez. Nos seus pensamentos retoma pela milionésima vez o diálogo que marcara o encontro. Era a hora, ela não estava enganada.
Calça os sapatos – ação deixada para o último minuto, para não aguçar a curiosidade dos vizinhos – anda suavemente pela sala até sentar-se. Sente-se incomodada na poltrona em que está. Troca de lugar. O celular, na mesinha da antessala, está mudo. Cruel. Ela verifica o sinal da operadora. Perfeito. Ela verifica o sinal de bateria. Excelente.
A chuva é mínima, mas a conforta. Pode ser a causa do atraso. Ela se levanta, olha mais uma vez o vinho na geladeira, como se tivesse podido sair de lá. No corredor, uma nova conferência no espelho. Está tudo lá: cabelos, batom, e o decote definido no vestido bonito.
Passa a mão na maçaneta, mas os rumores no apartamento ao lado não a permitem abrir a porta. Quando ele chegar, saberá.
Senta-se novamente, desta vez no sofá, mais confortável. Vê as horas no relógio da parede, confere com as do celular. Há um atraso evidente, mas ainda perdoável. Ela controla o volume do som, e ouve a música escolhida pela nona vez. E, diminuindo o volume para poder ouvir o barulho do carro na chegada, adormece.
Os latidos insistentes do cãozinho da vizinha invadem seus sonhos... e ela acorda. Quando se dá conta, o despertador do celular está vibrando e tocando no mesmo ritmo dos latidos, o que lhe causa uma sensação estranha. Ela se levanta e vai até as janelas. Está tudo muito claro. Volta, e observa as horas no celular: são seis horas da manhã.
O que atiça o cachorrinho é o caminhão do lixo que passa na rua recolhendo o que restou da noite de ontem. E, olhando para o que reflete seu espelho, ela recorda-se do que aconteceu na noite de ontem. E, tendo sido o que restou da noite de ontem, chora na janela, desejando que o caminhão a leve consigo também.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Antônio (Parte III)

(Nesta terceira parte - e pretendo última - conto sobre as dores que acompanharam-me até em casa e por longos dias. E sobre o paradoxo que é sentir dor e alegria por um mesmo motivo...)


Em casa, eu e ele
Com o papel da alta nas mãos deixei a maternidade com Antônio nos braços e a barriga exatamente do mesmo tamanho.
Meu pai dirigindo o carro e eu sacolejando, inocente, achando que a sensação desconfortável era por causa dos desníveis das ruas...
Cheguei em casa numa sexta-feira. Meus pais e minha irmã ficaram comigo até o domingo. Mas tiveram que ir, porque precisavam trabalhar. Eu estava recebendo minha amiga Fernanda quando entardeceu e chegou a hora de eles irem embora. Lembro da minha irmã colocando Antônio em meus braços, já choroso, e se despedindo de nós...
Eles entraram no carro e se foram. Sumiram em perspectiva na rua como o pai de Antônio no corredor do hospital.
Quatro dias. Era o tempo que eu conhecia Antônio. E aquele era o primeiro dia em que eu via uma criança de quatro dias, que eu pegava, que eu sentia o cheiro... Eu nunca antes havia trocado uma fralda, eu nunca antes havia segurado um bebê tão novinho...
Fernanda testemunhou a primeira troca de fraldas. Até então quem estava fazendo isto era minha irmã ou minha mãe. E quando Fernanda foi embora – aflita, eu bem percebi – eu olhei pra Antônio e disse a ele: “agora somos nós dois”... Sentei-me no sofá para amamentá-lo. Preparei-me, respirei fundo. Era preciso.
Meus seios racharam, os dois, apesar de eu ter feito tudo o que determinavam as revistas e a enfermeira-obstetra: sol pela manhã, bucha no banho, etc. Lá mesmo no hospital eles começaram a sangrar. Mas o médico de plantão disse que passaria, e que o próprio leite era o remédio para cicatrizar as feridas.
A hora de amamentar Antônio era um sofrimento pra mim (com o agravante de que Antônio mamava de uma em uma hora). Eu colocava o pé contra o pé da mesinha da sala e apertava com força. Era um jeito de minimizar a dor. Quando tinha visita, eu sempre pedia para alguém forçar o pé contra o meu. Ajudava, também. Mas a verdade é que muitas vezes rezei para que não chegasse ninguém, pois a hora de amamentar me constrangia: eu enrolava um paninho em Antônio, porque sempre sangrava muito e sujava ele todo. A dor não me permitia fazer cara bonita. Antônio demorava a pegar firme no peito e quando soltava, o leite espirrava por todo o canto – inclusive nas pessoas que estavam por perto, se houvessem.
Uma hora é pouco tempo pro peito parar de sangrar. Antônio ficava quarenta e cinco minutos mamando. E eu tinha que alternar os seios, que enchiam incessantemente. Resultado: cada vez que eu começava a parar de sentir dor num seio, chegava a hora de dar o outro a ele. Meus seios ficaram pretos e em carne viva. E isso durou bastante tempo. Tem gente que diz que a dor a gente esquece. Esta jamais esquecerei. E é impressionante como o lado de mãe falava tão mais alto que não passou pela minha cabeça em nenhum momento deixar de amamentar Antônio. Nem mesmo de espaçar as mamadas. Ele choramingava e lá estava eu, a respirar fundo e abrir os botões da roupa...
Eu levava Antônio para o banho de sol e chegava em casa sempre no horário do programa da Ana Maria Braga. E assistia ao programa inteiro com Antônio mamando... O lugar do sofá já era diferente dos demais. E fiz até uma poesia, usando as letras do seu nome:
A vida preparou-me uma surpresa
Nada mais tem importância pra mim
Tá tudo revirado, e tudo uma beleza
O dia nasce e vai embora deste jeito, assim:
Na poltrona da sala com ele nos meus braços
Inexplicável milagre merecido sem certeza
O meu filho – tão amado! – companheiro, enfim!
Com sete dias fui ao posto retirar os pontos da cesárea. E deitar de barriga pra cima – aquela que continuava do mesmo tamanho – foi incômodo pra mim. Sentir a enfermeira retirar ponto por ponto, pacientemente, com a tesourinha causou-me nervoso. Ela percebeu que eu não estava bem e resolveu deixar metade dos pontos para depois. Ufa! Que alívio!
Alívio, que nada!
Dias depois, escolhendo feijão, senti a cadeira molhada. Quando levantei estranhei a almofada encharcada. De onde viera aquela água? Da minha barriga, da minha cicatriz agora totalmente inflamada!!! Pronto Socorro, atendimento médico, sala de expurgo, constrangimento, e muitas cartelas de Cefalexina para tomar.
Alívio, que nada!
Nenhum remédio faz muito efeito quando se está numa situação de estresse. Que dizer da hora do banho? Quarenta dias de “resguardo”, sem poder fazer movimentos do tipo abaixar-se e sem poder pegar peso. E tive que sobreviver à hora do banho. Nunca tantos sabonetes no chão! Precavida, deixava uns quatro ao alcance. Pois os quatro caíam. Até que aprendi a pegá-los. Eis a dica: arrastá-los com o pé até a parede e ir levantando o pé, dobrando o joelho vagarosa e equilibradamente, arrastando-o na parede até o alcance das mãos. Pronto! Não havia mais problema.
Todo o romantismo de se ter um bebê, aquelas cenas maravilhosas com edição de imagem quase em marca d’água que aparecem nos meios de comunicação são ilusórias. Não há florestas, nem pássaros cantando, nem flores enfeitando as cordas dos balanços onde se sentam as mães para sorrirem para os seus filhos que mamam. Desconheço este lado da história.
Com o tempo, eu e Antônio (mais ele do que eu) fomos descobrindo um jeito de doer menos, as feridas foram cicatrizando, fui reconhecendo aquilo que um dia chamara de seios. Foi quando Antônio começou com o refluxo.
Todo o leite era posto pra fora com a mesma intensidade com que ingeria. Antônio mamava e vomitava. Terminava a mamada, eu colocava ele nos ombros, e era certo: o leite disparava longe, depois de cobrir a mim e a ele. Nesta época, a maior das dificuldades: onde colocar Antônio para poder limpar tudo? Antônio sujo, eu suja, o chão e as paredes sujos... E à noite, quando sujava o berço? Deus, até hoje não sei como conseguia pôr água para ferver, encher a banheira, limpar tudo e dar banho em Antônio. Até hoje sinto o cheiro azedo nos meus ombros, nos meus cabelos, quase na minha alma...
No desespero liguei para o médico, que aconselhou-me deixar Antônio nos ombros (naquela posição tradicional para o “arrotinho”) por quarenta e cinco minutos após cada mamada. Depois de experimentar, vi que não seria possível. Pela matemática: “Antônio mama de uma em uma hora. Se eu ficar com ele quarenta e cinco minutos nos ombros, só me restarão quinze para pô-lo no berço e ele dormir até... a hora seguinte!” Ou seja, nem eu nem ele dormiríamos mais... Liguei novamente para o médico e expliquei-lhe a sentença matemática. Ele me respondeu: “É assim mesmo, mãezinha...”
O tempo passou e Antônio continuou com o refluxo mesmo depois de passar para a comidinha. Seu pediatra (outro, logicamente, porque por aquele eu nunca mais procurei) recomendou-me preparar dois pratos na hora das refeições. E era o que eu fazia: dava a comida a Antônio (com todas as brincadeirinhas de aviãozinho etc.) e esperava ele vomitar. Daí, lançava mão do segundo prato e começava tudo de novo...
Tudo de novo... Fiz tudo de novo muitas vezes. Faço muito tudo de novo ainda. Quase seis anos depois estamos aprendendo, eu e ele. Há quem tenha se assustado tendo lido as primeiras partes deste “diário de memórias”. Há quem tenha se solidarizado comigo. Pra todo tipo de gente, deixo a certeza de que olho pra Antônio todos os dias e agradeço a Deus pelo presente que é a vida dele na minha. Agradeço por ter sido eu a pessoa escolhida por Ele para dar luz a meu filho. E é só isso o que pretendo nesta vida: iluminar o mundo dele com meus sorrisos, minhas brincadeiras, minhas broncas, e meu amor incondicional! E enquanto for preciso farei tudo de novo, infinitas vezes. Porque me sinto abençoada por Deus cada vez que abro os olhos pela manhã e ouço Antônio me dizer “bom dia!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Antônio (Parte II)


Do Nascimento à Alta da Maternidade
Foi a primeira vez que estive internada num hospital. Sem saber o que me esperava, parti feliz e ansiosa.
O pai de Antônio ficou comigo nos primeiros momentos, na sala de espera. Até que uma enfermeira – ou alguma coisa assim – me chamou. Levantei-me do sofá e caminhamos juntos até ela, que sorriu, parecendo querer dizer que somente eu entraria.  Então, ele me sorriu, parecendo querer dizer a mesma coisa. Todos rindo, eu ri também. E caminhei um pouco mais, de mãos dadas com ele. Consegui evoluir até o elevador, mas não houve jeito: “Aqui, vocês se despedem”, disse ela, num português que não me permitiu mais nenhuma outra interpretação.
Entramos, eu e ela, no elevador, após ouvir um “boa sorte!” do pai de Antônio (?). Ainda hoje me lembro dele sumindo em perspectiva, entre as portas do corredor do hospital...
Segui os passos da enfermeira sem saber para onde ela ia. Total conformidade e obediência. E fui parar numa enfermaria de quatro leitos: quatro grávidas às vésperas do parto! Arrumei minhas coisas numa mesinha que ficava perto da cama, ajeitei o lençol e deitei-me para dormir.
Eu cheguei ao hospital numa segunda-feira à noite e não me lembro de muitas coisas, porque Antônio nasceu na quarta. Mas das companheiras de quarto não me esquecerei jamais: os lamentos, os berros, o sangue nos lençóis... Não me recordo de seus rostos, mas muito bem de seus gemidos... E a cada instante era uma diferente, porque toda hora era uma a ir para a sala de parto. Coisa estranha tomar banho no mesmo banheiro... Compartilhar a pia para escovar os dentes...
Solidão, frio, medo, desespero... Os pensamentos nunca são os melhores. Não me ajudaram muito no passar das noites.
E a hora da visita? Só o pai de Antônio me visitou. Coisa mais sem jeito: “E aí, como está? Tudo bem? Já sabe quando nascerá? Hum... Já vou. Fica com Deus... Qualquer coisa me liga...
Qualquer coisa ligar pra ele? O que ele queria dizer com isto?
Até que na quarta-feira pela manhã, depois de alguns muitos cansativos e incômodos exames de toque, um senhor – que eu jamais imaginaria ser médico – chamou-me em particular e disse: “Vamos ter que interromper a gestação hoje”.
Meu Deus, que desespero! O que significava interromper a gestação? Abortar? Não, eu quero meu filho! Eu quero ter Antônio!!!... Devo confessar que desconhecia a expressão “interromper a gestação” como sinônimo de “fazer o parto”.
O médico encaminhou-me para outro quarto. Dessa vez meu leito ficava pertinho da janela. Eu sabia que minha família chegaria naquele dia e fiquei esperando na janela, literalmente. Até que vi o pai de Antônio chegar. Que alegria é ver alguém que se conhece numa situação dessas! Pela janela falei com ele: “vai ser hoje!” Ele sorriu.
Uma enfermeira veio me buscar. Já era quase meio-dia. No caminho para a sala de parto perguntei a ela como ficaria a minha visita, porque eu sabia que meus pais chegariam. Ela respondeu-me que a visita seria às quinze horas. Até hoje me lembro que perguntei a ela se daria tempo de eles me verem, ao que ela respondeu: “o parto dura menos de quinze minutos! Quando eles chegarem, você já estará com seu filho”.
Meu Deus! Eles chegariam em menos de duas horas e eu já teria parido Antônio? Decididamente, eu não tinha noção do que aconteceria dali em diante.
E lá fui, conformada e obediente, seguindo os passos da enfermeira de plantão da vez: sala de pré-parto – onde o indescritível acontece! – e sala de cirurgia, para onde caminhei com meus próprios pés, segurando com uma mão a sonda e com outra o soro. Caminho inesquecível, sem roupa, exposta, chão frio, arrepios... No caminho pensei em correr dali. Pensei seriamente. Mas percebi que não seria boa ideia, não com aquela roupa. Além disso, Antônio nasceria a qualquer momento, e eu não queria ter meu filho embaixo de uma árvore. “Ele vai ter que sair, não vai ter jeito”, era o que eu pensava no momento mais solitário da minha vida.
Até que deitei na maca, muito desajeitada. Eu, não a maca. E apesar da frieza daquele material e da sala de cirurgia, Deus olhou pra mim: uma enfermeira que transportava a maca disse-me: “Oi!” Gente, aquilo foi uma bênção pra mim. Alguém ali percebera que eu existia. Eu não era mais um corpo, uma barriga, uma bunda de fora, eu era uma PESSOA deitada na maca. Ela me disse oi e tudo pra mim foi alegria e emoção. Perguntou meu nome e disse que quando eu saísse da sala iria para um quarto “vip”. (Tratava-se de uma enfermaria de dois leitos que havia desocupado...) Ela me sorriu, passou a mão na minha cabeça. Eu nem sei o nome dela... Deus abençoe aquela mulher.
Aí foi a ráqui e o corte. Pareceu-me um risco, somente. Até porque eu não prestei muita atenção nisto. Estava preocupada com a atenção do médico, uma vez que ele e sua auxiliar só falavam sobre a venda do seu carro... Fez meu parto todo cotando o carro... Eu ouvi falar nesse assunto até durante os pontos!
O pediatra colocou Antônio perto de mim, e a emoção deste momento é inenarrável! É estranho ver um serzinho pela primeira vez – ao vivo! – e amá-lo tão profundamente. Uma apresentação formal – eu a ele, ele a mim – e tão visceral ao mesmo tempo... Lá estava ele, o meu Antônio, todo enrugado, sofrido das dores de vir ao mundo, tão pequenino, frágil, querido, amado, abençoado... Inesquecível momento, o de vê-lo pela primeira vez...
Dali pro quarto “vip” foi rápido. Quinze minutos como previu (não previu, sabia!) a enfermeira. Meus pais chegaram. O pai de Antônio também. Eles haviam assistido pelo vídeo do hospital o nascimento, olha que legal! A enfermeira nos deixou sozinhos e avisou-me que à meia-noite viria alguém para ajudar-me no banho... no MEU banho...
À meia-noite em ponto chegou ela, a enfermeira de plantão. Era a hora do banho. Desta, também, jamais esquecerei. Aparelhos nos dentes, rabo-de-cavalo, e muita simpatia. O momento do banho foi horrível pra mim. Ela me pediu que olhasse nos seus olhos fixamente para sair da cama, sem baixar a cabeça, sem olhar para os lados, para evitar tonteira. Entrei no box, abri o chuveiro e foi estranha a sensação da água sobre meu corpo, foi estranho sentir meu corpo tão diferente, sentir a cicatriz... Precisei me sentar. Ali começaram as primeiras dores.
Depois da dor do banho, a dor de amamentar. E todas as dores que eu pensava sentir porque estava no hospital, fora do meu contexto, acompanharam-me após a alta.
E a chegada em casa foi uma outra história...

domingo, 8 de janeiro de 2012

Antônio (Parte I)

(Sobre a chegada de Antônio na minha vida... Um pouco da rotina de um acontecimento especial!)


Do exame à Maternidade
Antônio surgiu na minha vida como um POSITIVO no papel do exame de sangue. O exame eu fiz a pedido do pai dele, uma vez que eu nem imaginava estar grávida: tudo inalterado comigo, inclusive “naqueles dias...” Foi porque, durante um jantar, comi mais do que de costume. Digamos que o dobro. E ainda saí um tanto insatisfeita do restaurante.
Eu não tive a alegria de abrir o envelope. O do laboratório. O pai de Antônio foi junto comigo, e a atendente solicitou-nos retornar às 16h. Ele foi antes de mim. Quando entrei no carro pensando estarmos a caminho, ele apresentou-me o papel, já aberto.
Quem sabe descrever o que se sente ao ler a palavrinha POSITIVO num momento desses? Susto, temor, alegria, desespero, aflição, incerteza...
Eu não esperei por Antônio. Na minha vida não havia mais lugar para filhos. Trinta e sete anos, dona do meu nariz... O medo de que meus pais não fossem ser avós já tinha passado, porque Katia, minha irmã, já havia dado à luz Miguel. Garoto lindo, abençoado, primeiro filho, primeiro neto, primeiro sobrinho, depois de quase treze anos de espera. Pronto, Miguel chegou, não há mais necessidade de crianças por aqui.
Mas Deus quis que Antônio surgisse na minha vida. E ele chegou bagunçando tudo o que havia de mais ordenado em mim: minha cabeça, meu coração. No primeiro dia das férias de julho, a notícia da gravidez. Fomos os dois, eu e o pai dele, contar a novidade para a família, em São Gonçalo. Que viagem longa! Como começar? O que pensariam? O que diriam? Ensaiamos. Dissemos. Silêncio profundo e longo seguido de um “parabéns” desajeitado.
Eu não quis me casar. Foi difícil pros meus pais entenderem isto. Mas não hesitei diante da opção de viver só com meu filho. Depois de ter passado por um casamento mal sucedido poucos são os que arriscam novamente. E eu não quis arriscar.
De volta a Iguaba, depois da primeira consulta médica oficial e do repouso sugerido de cinco dias, agosto chegou e eu retornei ao trabalho gravidíssima, linda, barriguda, feliz da vida! Até hoje tem gente que não entende como eu saí de um jeito da escola e voltei de outro. Mas é a pura verdade: eu descobri a gravidez na 13ª semana. Antônio pronto, perfeito na ultrassonografia: cabeça, tronco, mãos e pés. Exatamente como papai. Ali eu já sabia que seria um menino, embora fosse cedo demais para o médico saber. Que médico, que nada! Eu sabia, bastava!
Curti a barriga como ninguém. Fotos, praia (eu fui uma grávida extremamente bronzeada), roupas... Engordei nove quilos. E vivia me queixando das primeiras semanas em que ele já estava comigo e eu não sabia... Ah, perdi a oportunidade! Queimei essa etapa, as dos primeiros dias!...
Quando soube pela ultra que era um menino, fiquei muito feliz. É verdade que a torcida lá em São Gonçalo era por uma menina, uma vez que Miguel já estava conosco. Mas nem liguei. Antônio estava tão consumado que não havia possibilidade diferente. Eu já havia pensado no nome: Francisco. Mas o pai não gostou, e chegamos ao consenso de ANTÔNIO. Lindo nome, que significa “inestimável”. Torci durante um tempo para que fossem gêmeos, pra eu ter Francisco comigo, mas não deu.
Consultas regulares com o ginecologista-obstetra e a guia de internação às mãos: a hora chegara! Cheguei em casa, liguei pra minha mãe. Ela desejou-me sorte, disse que “era assim mesmo”, o que não ajudou muito pra que eu me acalmasse. Eu fui à Igreja, pedi ao Padre uma bênção especial, e foi muito emocionante estar ali, sentindo a presença de Jesus e Maria a acolherem a mim e a Antônio. Um pouco mais segura – e totalmente confiante – voltei pra casa, arrumei a mala e partimos, eu e o pai dele, para a maternidade.