quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Os Conselhos de Classe e o BBB

 
(A chegada de 2012 traz-nos muitas incertezas do que virá. Uma única coisa é certa: Vai ter BBB na televisão. Na minha opinião, BBB tem tudo a ver com a Escola e seus Conselhos de Classe. Gostaria que vocês "dessem uma espiadinha"...)

2012 vai começar... E junto com ele o Big Brother Brasil (quanto? Já perdi a conta!).
Um fato cotidiano marca o final do ano: os conselhos de classe nas escolas. Não foi diferente em 2011. Os veredictos foram lançados. Primeiro ao ar – nas conversas durante as reuniões quase sempre nada pedagógicas, depois no mural da escola. Estão lá, todos os alunos, devidamente sentenciados. Uns a chorar de alegria... outros a sofrer duras perdas...
A média pode ser qualquer uma, o importante é estar nela. Se a média foi 5,0 e você conseguiu os 5,0, parabéns! Mas se o máximo que conseguiu foi alcançar um 4,9... Triste de você. Já ouvi professor (este eu faço questão de escrever com minúscula, mesmo) dizer: “esse um décimo é a minha arma!...”
Há também os relatórios descritivos, que dispensam fórmulas matemáticas. Ufa! Você pensa que melhorou, então? Qual o quê! Certa vez li num relatório descritivo acerca de um aluno que tinha um irmão gêmeo: “Joãozinho, gêmeo com um colega de classe...”
O Big Brother Brasil fará sucesso, ganhará audiência maior a cada dia enquanto nossos conselhos de classe forem esse protótipo da brincadeira de “berlinda” da qual participávamos quando crianças. É só dela que me lembro quando estou presente em um deles. Professores (com a maiúscula só por conta do ponto final) rotulando alunos, sem qualquer argumento pedagógico para reprová-los e – não sei se é ainda pior! – aprová-los. Os alunos passam de ano porque driblaram bem os professores. Passam porque são bonzinhos, porque nada falam nas aulas, porque conseguem chegar ao 5,0 sabe Deus como. E são reprovados (a maioria dos professores diz que o aluno mesmo se reprova...) porque são dispersos, arrogantes, bagunceiros, insuportáveis, cínicos, debochados e não querem nada. Não querem nada... Você é Professor? Quantas vezes já ouviu, especialmente em dias de conselho de classe, esta expressão?
E o Big (e bota Big nisso!) Brother Brasil vai multiplicando por aí a necessidade quase vital de se saber sobre tudo o que há de mais fútil da vida alheia...
Toda vez que assisto a um conselho de classe volto ao tempo e penso que um dia estive lá, na berlinda, sendo avaliada (?) pelos meus professores. E dou graças a Deus por ter sido uma aluna obediente e educada. Isto bastou, eu não precisava saber sobre os conteúdos das disciplinas. Há alguns anos uma amiga conseguiu terminar o Ensino Médio graças a uma gincana: ela recolheu não sei quantas mil latinhas de refrigerante, amassou, entregou na escola e ganhou muitos pontos. E ainda pôde escolher em que matéria computá-los!!! Foi a primeira aluna da classe!
Imagino as palavras sobre ela no dia do CoC: “Ah, que menina excelente! A escola ganhou um computador novo só por causa das latinhas que ela catou.” Antigamente “catar lata” era uma expressão pejorativa. Agora, aprova alunos ao final do ano. E tem também o caso do menino que já quase reprovado, participou do desfile cívico da cidade: passou de ano.
Talvez o problema do conselho de classe, principalmente deste do final do ano, seja porque ele acontece no final do ano. Estão todos muitos nervosos, mil diários para preencher, as compras do Natal, o presente do amigo-oculto, a sogra que vai chegar para as Festas, o décimo terceiro que irá pagar o IPVA atrasado... Ansiosos até por saberem quem estará no BBB do ano que vem.
Sei que os CoCs de 2011 já aconteceram e eu não posso fazer mais nada por eles, mas queria desabafar a minha insatisfação. Reuniões pedagógicas não podem ser dissociadas de conselhos de classe. A formalidade do Conselho – cuja obrigatoriedade legal da existência nem existe! – tem que estar amarrada a todas as discussões que se faz ao longo do ano no espaço escolar, e essas discussões devem objetivar o sucesso do aluno, e não o contrário. Ninguém tem que saber, no dia do conselho, que Mariazinha sofreu abuso sexual e, por isso, aprová-la. Eu já (ou)vi isso, também: “Ah, mas se é assim, então eu aprovo...”
A escola tem que estar à disposição do aluno. Nós, PROFESSORES, somos prestadores de um serviço que, se não me falha a memória está na Lei, deve ser de QUALIDADE. Ou será que nossos concursados e contratados desconhecem este Artigo? Quantos sabem o que realmente estão fazendo quando adentram suas salas de aula com giz e apagador nas mãos?
O que menos importa quando conseguimos depois de tanta batalha nos formar é a nota que tiramos. Alguém se lembra qual foi a média obtida em Ciências no terceiro bimestre da 7ª série? Tenha sido 5,0 ou 10,0 estamos aí, na VIDA, junto com quem tirou, à época, menos ou mais que a gente. Acorda, escola!
Se a Escola que hoje estamos construindo não se desfizer desses vícios que a tornam um arremedo de escola, o Big Brother Brasil jamais acabará.
Ou alguém aí já se esqueceu de que os números são infinitos?

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O que nos move é o Amor (Texto de 2009)

(Em 2009 escrevi sobre o amor que sempre senti. Pela minha vida e pelo meu trabalho. Quem não está na Educação "por acaso", está por amor. E em 2009 Deus deu-me a graça de trabalhar com pessoas que amavam o que faziam... O texto é, ao mesmo tempo, particular e público. Todo mundo que sente o coração bater mais forte quando olha pros meninos e meninas das Escolas vai encontrar-se nele.)

O que nos move é o Amor, soberano, absoluto, transcendendo tudo, grandioso a observar-nos do alto dos nossos corações.
Estamos na luta por amor à causa, sempre fomos assim: na infância, um amor inexplicável pelos brinquedos – mesmo os mais quebrados! - e na adolescência os Professores, os amigos, aquele menino da rua ao lado, como explicar? E eram uns corações que não cabiam no peito, que explodiam pulsando quando começava a aula de Ciências ou Matemática (a gente não gostava da matéria, mas amava o Professor!), ou quando se reuniam os amigos pra conversar, ou quando mamãe pedia pra fazer alguma coisa na rua ao lado.
Eu me apaixonei infinitas vezes! Pelos brinquedos (embora nunca tenha podido quebrá-los), pelos Professores (pelo menos um por ano!), pelos meus amigos (eu amo vocês!), e por muitos meninos de muitas ruas ao lado da minha (mudei-me umas três vezes, Graças a Deus!).
Quem seríamos nós, se não fosse o amor que nos move? Quem?
E não é que é este amor bagunçador que nos mantém na profissão? Estou aqui relembrando nosso último encontro e só vejo amor, amor, amor! Preocupados com o trabalho, com o destino que devemos dar a ele, mas preocupados, preocupados, preocupados. Deixamos os filhos em casa e nos preocupamos com o trabalho. Quebramos o pé, mas nos preocupamos com o trabalho. Nos casaremos muito em breve, mas nos preocupamos com o trabalho. Temos trezentos empregos, o despertador agora nos invade pela madrugada, mas nos preocupamos com o trabalho... E amamos tanto o que fazemos!
Aproveitei a oportunidade de um ócio forjado para lhes escrever esta carta de amor. Devíamos ter tirado as fotos na praia, a vida deveria ser feita só de fotos na praia, não podemos perder a chance de fazê-lo hoje. Porque estávamos todos juntos, e a gente nunca sabe quando vai estar junto outra vez.
Revistam-se de amor, porque é de amor que Deus se reveste todos os dias para nos abençoar. E é Ele mesmo quem nos pede todo dia para amarmos nosso semelhante como a nós mesmos - olha que pedido grandioso, difícil de atender?
Exercitemos. Revistam-se desse amor e adentrem suas casas, escolas, destinos...  Tá tudo lá, parado, esperando por Amor, do mesmo jeito com que esperamos alcançar os brinquedos, ou começar a aula de Ciências, ou encontrar um amigo, ou passar na rua ao lado.
Depois de completar meus quarenta e um anos estou certa disto. Posso não ter chegado muito longe, mas amei incansavelmente! E foi a única coisa que pedi a Deus quando assoprei as velinhas do meu bolo: pra Ele me transbordar de amor, multiplicar o amor que tenho, porque tenho muita gente ainda pra amar!

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Eu sou John Merrick

 
(Sobre o filme "O Homem Elefante". É que, quando dei por mim, eu estava lá na tela, quase ele em pessoa. Eu sou John Merrick. Duvidam? )


Que prazer rever você, meu amigo! Que gosto bom foi o de reencontrá-lo depois de tanto tempo!
Eu assisti ao filme “O Homem Elefante” quando tinha doze anos. Certamente quem saiu da sala de cinema foi uma menininha apavorada com o que havia visto. Uma menina chorosa por conta de um filme muito triste.
Ontem eu estive com o homem (que não tem nada de elefante) outra vez. E uma outra Karla sentou-se para assisti-lo. E descobri que sou John Merrick.
Nos primeiros minutos do filme, o suspense. Eu já não me recordava de quase nada. Acometeu-me a dúvida de ir com o filme até o final. Mas logo aquele olhar amedrontado e piedoso de Anthony Hopkins (que faz o papel de seu médico) convenceu-me a ficar: seria ele o descobridor do ser humano que existia por detrás daquela imagem horripilante.
Quanto mais se desenrolava o filme, mais impressionada eu ficava. Sobretudo pelo fato de que teria sido baseado em história real. Quem teria sido este homem?
Um ser humano composto de alma, coração e inteligência e sensibilidade inigualáveis! Um poeta, um bom filho, um artista, um sonhador.
John Merrick, permita-me ser você. Porque sonho coisas impossíveis, porque vejo a vida com este mesmo romantismo, porque não preciso de espelhos... Porque acredito que as pessoas têm os seus valores impregnados dentro de si e nem se dão conta disso preocupadas que estão em parecerem lindas externamente. Porque acredito no Romeu e na Julieta que há em cada um de nós.
Teria eu conhecido você, John Merrick, e passaríamos longos dias conversando sobre as reais belezas da vida: os perfumes, os rostos de nossas mães, as famílias que se formam, as torres das igrejas, as crianças... Mas nosso tempo não foi o mesmo e agora eu fico aqui, desprezível como você, convencendo a muito poucos de que a vida transcende ao que o homem de hoje julga ser belo.
Hoje deixo a sala do cinema (que hoje é a sala da minha casa) chorosa também. Mas porque emocionada. Invejo a todos os que compartilharam sua história.
O mundo evoluiu dos seus dias pra cá, mas trouxe consigo a enraizada discriminação do que não é igual. Nossos mendigos andam pelas ruas abandonados como se não fossem seres humanos como nós. Nossos idosos, à margem da sociedade como se não a tivessem construído. Nossos alunos abaixo da média (?) vão por aí colecionando repetências, evasões e desistências num currículo que poderia ser outro, bem diferente. E seguimos, com nossos espelhos, ricos, jovens e graduados. Não há espaço para homens elefantes entre nós.
John, eu jamais poria a cabeça no travesseiro para dormir. Mas sei que Deus recebeu seu abandono depois da festa, depois do melhor dia de sua vida.
Recebe de mim o respeito que dedico aos que sofrem hoje por não serem iguais a todo mundo. Eu não sou – graças a Deus! – igual a todo mundo. Eu sou John Merrick.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Feliz a vida toda

(Cada um de vocês é responsável pelo que sou hoje. E eu sou tão feliz!!!)


Foi preciso que eu vivesse quarenta anos (e mais alguns) para descobrir-me tão feliz a cada dia!

Aquela felicidade, a mesma de quando eu tinha tão poucos anos, quando acordava pela manhã e já planejava a brincadeira do dia, por qual delas eu iria começar. Acordar era uma alegria! Eu morava num sobrado e quando abria as velhas janelas de madeira era como se acordasse o quarteirão: aquele ranger avisava aos vizinhos que o dia ia começar no apartamento 101. Tinha o padeiro da padaria da frente, Jocilei, que corria pra calçada para acenar, e o jornaleiro da banca embaixo da minha marquise , o Sérgio “foca”, que me mostrava o álbum de figurinhas que havia chegado às bancas. Um punhado de “bom-dia” aos que atravessavam a rua (meu sobrado era de esquina) e os chamados de minha mãe para o café da manhã. Obrigada, meu Deus!

Foi triste ter que sair de lá, da “Travessa Malafaia apartamento 101”, mas meus pais optaram por sair do aluguel. E, embora um tanto contrariada percebi, aos poucos, que seria feliz no novo endereço também. O apartamento agora térreo me permitiu conhecer melhor a rua.

Ah, a rua! Que felicidade é a rua quando se tem onze anos!!! E acordar continuou sendo muito bom pra mim, desta vez imaginando o que fazer para chamar os meninos para brincar com as meninas (a gente os detesta nesta época, mas eles são indispensáveis!). Aí, entrou na minha vida o Banco Imobiliário. Finalmente, meninos e meninas numa alegria só, com direito a brincar de salada-mista nos intervalos, embora eu, bem aconselhada pelos meus pais, servia só para vendar os olhos dos colegas. Beijar? Na boca? Nem pensar!!! E lá estava aquela mesma felicidade, minha companheira, a fazer-me esquecer da Malafaia...

E a felicidade de ir para a escola? Caminhar sozinha e passar pelo rapazinho que tinha sempre algo agradável para dizer... Ou fazer o caminho com um grupo de amigos, às gargalhadas, como se o resto do mundo não existisse. Dias felizes passei na escola! Rasgar as provas de Maria Luíza sempre que ela tirava menos de 80 – nossa aposta – ou vê-la rasgando as minhas, tudo era motivo de boas risadas.

Minha formação em Professora só me traz lembranças alegres! Os passeios no Centro de São Gonçalo após as aulas (finalmente aprendi a façanha de não ir direto pra casa quando saía mais cedo: ora, o que nos espera nesta fase senão louça para lavar?), as paquerinhas com os garotos do comércio... E as primeiras saídas no fim de semana? Ah, os ensaios da Portela no Clube Mauá!... Quem não foi feliz ao som de “Ô iá, ô iá, água de cheiro pra ioiô/vou mandar buscar na fonte do senhor”? Felicidade foi meu nome durante todo este tempo.

Meu primeiro emprego, então! E não havia pessoa mais contente que eu. Olha que sorte: consegui emprego, aos quinze anos, como auxiliar de classe de uma turma de Educação Infantil no colégio particular onde cursava o Normal e, com isto, obtive isenção da mensalidade! Que alegria foi pra mim, à época, dar esta notícia aos meus pais que já se viam preocupados por conta de pagar uma mensalidade uma vez que o Prefeito não honrara com a promessa da bolsa de estudos! Lá estava eu, feliz da vida!

Todas as minhas lembranças da época em que lecionei são maravilhosas. Sobre muitas delas já escrevi. Muitas histórias já contei. Dizer que fui feliz durante os dezesseis anos em que fui Professora é quase redundante.

Mas Deus tinha outros planos pra mim. Deus quis que eu saísse do palco (eu até escrevi um soneto sobre isto) para observá-lo mais atentamente. E Deus me tornou Inspetor Escolar. E fez mais que isso, fez com que eu viesse para Iguaba Grande e fez com que eu conhecesse Nilza Alberto, Cláudia Lacerda, Herminia Simões e Madalena. E fez com que eu aprendesse a trabalhar exatamente como elas. Certo de minha felicidade Deus me deu caminhos à frente, rumos a desvendar, histórias pra conhecer e sempre, SEMPRE, crianças pra defender. Que estada feliz em Iguaba!

Hoje sou feliz por ter feito tantos amigos! Tive que deixar minha cidade de São Gonçalo – com todas as felicidades que lá senti – para descobrir que amigo é eterno, amigo é pra sempre e, principalmente, amigo se faz a qualquer hora. Assombra-me tanto estar tão feliz por reencontrar meu amigo Anderson depois de quase trinta anos e sentir-me tão amiga dele como se o relógio e o calendário nada significassem quanto conhecer pessoas maravilhosas há tão pouco tempo e já pensar ser impossível viver sem elas!

Orgulho-me da alegria que sinto, da alegria que sou. Orgulho-me por representar alegria para as pessoas que amo de verdade. Tenho orgulho dos laços que estreitei e os fiz tão apaixonadamente que, acredito, transformaram-se em nós. Quem há de desatar?

A felicidade está aí, porque está dentro de mim. Hoje quando abro a janela do meu quarto lembro-me da Malafaia, porque as janelas do meu quarto fazem barulho também. Pra mim não é por acaso. Penso sempre que é Deus que não me deixa esquecer que a menina que planejava a brincadeira está aqui, porque a alegria é a mesma que sinto quando planejo a roupa que vou vestir antes de sair pra trabalhar. Um dos meus mais novos amigos, 
Wellington (um achado!), é o responsável pelo texto de hoje. Porque ele colocou música no meu notebook. Eu sempre precisei de música para começar a escrever. Obrigada, Wellington. Queridos – verdadeiramente – amigos, já não sei mais como parar!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Procura-se uma Escola (Texto de 2008)


(Algum tempo depois de escrever o texto sobre a experiência de meu pai com a Escola eu escrevi sobre as lembranças de minha mãe sobre o seu tempo de estudante. O texto é romântico - porque muito pessoal - mas oportuniza a reflexão responsável sobre o que estamos fazendo com a Escola dos dias de hoje. Na minha opinião, as coisas não mudaram muito...)



Eu quero encontrar a Escola em que minha mãe acredita.
Toda vez que escolhia o arroz para o almoço minha mãe me contava histórias sobre o seu tempo de estudante.  E era com tanto orgulho que o fazia!  Eu quero saber onde essa Escola está.
Na memória da minha mãe ficou tudo, apesar de sua passagem tão efêmera por lá.  E até hoje seus olhos ficam cheios de emoção quando se lembra do lugar em que há tantos anos passou tão pouco tempo de sua vida.  Que estada marcante!
Minha mãe se lembra de que as suas Professoras se vestiam bem, andavam sempre perfumadas e arrumadas.  Eram carinhosas e atenciosas com seus alunos. Perguntavam-lhes por que faltavam às aulas, deixavam os alunos mais bagunceiros “tomando conta da turma” quando precisavam se ausentar.  Ensinavam-lhes bordado, desenho, e sempre elogiavam os alunos, até mesmo aqueles que não tinham muitos dons.  Falavam o Português correto, e sabiam explicar o motivo pelo qual uma palavra se escrevia com “x” e não com “ch”.
Da turma da minha mãe alguns meninos tornaram-se médicos.  Um deles cheguei a conhecer.  Sua mãe vendia empadas para lhe custear os estudos.
Mas naquela Escola tão perfeita não havia lugar para a minha mãe.  Na casa dela eram todos muito pobres (minha mãe era a caçula de cinco!) e ela sempre dizia que enquanto a Professora dava aulas ela ficava tentando imaginar um jeito de ganhar um dinheirinho para ajudar a minha avó: primeiro tentou vender os desenhos que aprendera a fazer nos azulejos, depois começou a fazer umas trancinhas de couro para uma fábrica de sandálias que pagava por produção. Outra vez tomou conta de um bebezinho para uma vizinha.  E chegar em casa com dinheiro foi ficando bom, e poder ganhar mais significava ter que sair da Escola, e na hora de optar, diante do convite para trabalhar no balcão da farmácia do bairro não houve muita dúvida: já naquele tempo a Escola perdia a concorrência para o mundo “lá fora”...
Era trabalhar o dia inteiro e dar todo dinheiro na mão da minha avó no final do mês.  Minha mãe tinha quatorze anos nesta época.  Caminhava um “pedação” para economizar o dinheiro do bonde para ajudar em casa.  E nunca mais voltou para a Escola.
Ela conta isto com orgulho, mas desconhece algumas coisas que, por eu ter avançado um pouco mais (nos estudos, não na sabedoria), percebo.  Minha mãe ficou com o desejo de fazer Faculdade de Farmácia escondido no coração.  Ela própria manipulou muitos remédios, anotava as bulas no Livrão, mas não pôde ir além.  Pôs a culpa no cansaço do trabalho, depois no casamento, depois nos filhos, depois na idade.
A Escola que separou meu pai dos seus sonhos fez o mesmo com a minha mãe.  Mas o fez de maneira tão capciosa que ela nem se deu conta.  E nos criou nos obrigando a estudar, nos dizendo que só a Escola dá futuro, que quem não estuda não é nada na vida.  Minha mãe é tudo na vida: batalhadora, inteligente, honesta, segura, cautelosa, organizada, precavida.  Minha mãe é tudo na minha vida também.  E na vida da minha irmã, tenho certeza.
Eu aprendi que há algo de bom na Escola com a minha mãe.  Fui buscar lá aquilo tudo o que minha mãe contava enquanto escolhia o arroz: primeiro estudando, depois trabalhando, e ainda busco.  Estou procurando a Escola em que minha mãe acredita até hoje, mas não encontrei.  E olha que ela ainda acredita: está orgulhosa de mim, porque serei Diretora de Escola em breve.
O tempo passou e hoje eu tenho um filho, mas não escolho arroz.  Um bom motivo pra eu não ter que contar pra Antônio sobre a Escola do meu tempo.  Só espero que ter passado tanto tempo dentro de uma Escola não tenha feito com que eu me desviasse dos bons valores que minha mãe me ensinou, e que eu saiba passá-los para meu filho, sem vícios.  Admiro minha mãe pelo que ela foi e ainda é.  E sinto muito pela Escola que não a convenceu a ficar.  Dona Vanda hoje seria uma excelente farmacêutica.  Quem foi que saiu perdendo?

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Meu diário encontrado no Oceano (Texto de 2009)

(Em 2009, o avião 447 caiu no Oceano enquanto fazia a trajetória Rio/Paris. Acontecimento trágico, que poucas pessoas devem ter esquecido. Naquela época impressionou-me sobremaneira a quantidade de pessoas que embarcaram com um "certo" destino (ou destino certo?) e foram impedidas de chegar. Passei muitos dias tentando imaginar cada um dos tripulantes... cada família mutilada... cada rotina alterada... Daí escrevi o texto (um de meus preferidos!). Estive naquele avião nos devaneios de meus pensamentos. Estive lá, com meu diário.)
Eu sobrevivi ao acidente. Eu não estava no avião que caiu no Oceano. Mas fiquei pensando sobre o que aconteceria com o meu diário, se fosse resgatado do fundo do mar, inexplicavelmente intacto. As mãos curiosas que encontraram os destroços do avião abririam o diário, certamente, e já que eu não existia para tomar ciência deste resgate, ousariam lê-lo.
Aberto, lá estaria ele revelando minha infância reprimida, mas feliz: nunca coberta de carinhos, sem amigos. Brincava com os perfumes que minha mãe vendia (da Avon), e que dispunha na penteadeira, sempre sob a ordem de não quebrar nada, que vinha acompanhada de algumas ameaças caso acontecesse...  Os lápis de cor também eram personagens de bailes e, quando minha mãe deixava, eu brincava com suas perucas (apesar de morrer de medo delas!). Aqui já me sinto invadida: por que interessaria ao explorador curioso estar lendo essas páginas? Não haveria mais destroços a procurar?
Depois de algumas fotos amareladas, o ousado leitor chegaria às páginas de minha adolescência quando percebi que, apesar de não me sentir amada, descobri o amor: Adolfo, aos treze anos de idade! Nessa parte do diário havia muitas letras de música e, com certeza, seria possível ao intruso ouvir Rita Lee cantando “Meu bem você me dá água na boca...”
Adolfo nunca olhou pra mim. E eu o amava incompreendidamente! Mas merecia registro em meu diário o fato autêntico de que ele possuía o mesmo sobrenome que eu: Pontes. Nada demais, não fosse o fato de que a minha melhor amiga gostava do melhor amigo dele, Marcelo, que tinha o mesmo sobrenome que ela: Oliveira. (Convites de casamento meio caminho andados, obviamente).
Avançando um pouco, o explorador invasor descobriria o quanto amei aos vinte anos! Mas não encontraria, ainda que buscasse, muitos registros sobre este amor. Aí fui apresentada aos sabores dos beijos e carinhos, do afeto, da alegria e de todas as lágrimas que vêm por consequência de se amar aos vinte anos. Páginas em branco, com linhas manchadas por gotas salgadas. Talvez letras de música mais antigas: “... E agora me aperta a aflição de chorar louca e só de manhã/é a flecha do arco da noite sangrando-me agora...”, e algumas fotos de como eu era quando tinha onze quilos a mais antes de amar, pra lembrar sempre de que não deveria fazê-lo novamente. Nunca mais na vida, porque a gente quando tem vinte anos pensa que tudo é nunca mais, promete tudo pra nunca mais, e não sabe que não cumpre promessas.
Meus textos envolvem o descobridor do meu diário. Para ele, já não há mais o que encontrar. E ele busca desenhar o meu retrato em sua mente, imaginando como seria aquela que tanto amou, e que agora descansa naquele fundo macio, carinhoso, sedutor do Oceano. Mas algo faz com que ele volte a folhear, e percebe que eu escrevia enquanto voava.
No texto escrito com letras tremidas – que o faz supor ter sido durante o vôo – agradeço a Deus pelo meu filho, pelo sorriso dele, pela sua vitalidade e alegria, pelo amor que (este sim) tem por mim. Agradeço pelo amor que só então pude perceber que tive dos meus pais, e que se fez valer na preocupação com a minha formação enquanto ser humano. Eu sou assim, graças a eles. E agradeço, pura e simplesmente, pelo dom da Vida.
Eu não sabia que o fim estava ali. E agradecia por ter amor, por ter sido amada. Acho que enquanto escrevia recostei a cabeça na poltrona e sonhei. Senti o carinho físico dos meus pais, verdadeiramente. Adolfo me sorriu apaixonado. Fui feliz aos vinte anos. E foi desse jeito que, sorrindo e sonhando, mergulhei no mar, abraçada ao diário, tão bem abraçada que o protegi do naufrágio. E morri, feliz!

domingo, 11 de dezembro de 2011

Cuido de ti porque te amo

(Felizes os que convivem com aqueles a quem amam. Escrevi sobre a relação de amor de mãe e filha presente na vida da minha amiga Anna Paula.)


Foi assim desde o começo, quando trocamos nossos olhares pela primeira vez. Uma força divina trouxe para os nossos corações um amor inexplicável! E com este amor me tiveste nos braços e alimentaste-me. Tantas dores suportaste para que eu descobrisse que o mundo agora era do lado de fora do teu ventre!

Aos poucos – e com tanto carinho! – foste me revelando o mundo: os diferentes sabores, os diferentes sentimentos, as primeiras palavras, depois os primeiros passos, a primeira caminhada... E lá eu estava sempre a procurar por tua mão.

Nas idas para a escola, a saudade por deixar-te em casa. Nas voltas da escola, a alegria por compartilhar contigo como havia sido o meu dia. Assim foram crescendo as revelações e confissões e fomos descobrindo a amizade que para além do amor se configurava entre nós: confessei a ti meu primeiro namoradinho, o primeiro beijo, a primeira nota baixa, o primeiro desamor, a primeira briga com a melhor amiga, o dia em que fiquei “de bem” com ela, finalmente...

Até que, quando dei por mim – e acho que quando deste por si, também – eu havia crescido. Quando nos demos conta – e isto foi entre uma nova confissão e outra – estávamos, à beira da cama, a mulher que hoje sou e a senhora que hoje tu és.

Eu não sei quanto tempo se passou entre os primeiros olhares e o nosso olhar de hoje, mas sei que tudo o que aconteceu comigo de lá pra cá devo a ti. Desde o primeiro alimento. Sinto-me em teus braços como há tantos anos quando Deus nos apresentou uma à outra.

Cuido de ti porque te amo. Porque cuidaste de mim quando mais precisei. Cuido, porque tê-la ao meu lado me aproxima de Deus. E se Ele escolheu-te para me conceder a vida, nada mais posso fazer a não ser agradecer a Ele por cada dia que passei e passarei a teu lado, enquanto Ele quiser.

Recebe meu amor – até hoje inexplicável! – de todo dia, os imposssíveis que tento por ti, e vive dele, porque do teu eu vivo e de nada mais necessitamos. E segue comigo, meu Amor, minha Mãe, minha Companheira, com tua mão estendida para que eu não tenha medo de cair.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Meu pai que a escola excluiu (Texto de 2005)

(Já faz tempo que escrevo coisas sobre educação, meu "palco" de trabalho... São muitas as aflições... Hoje postei um texto de 2005. Nele falo sobre o meu pai e seus múltiplos saberes que a Escola desprezou. Alguns amigos já o conhecem...)



Na tarde de sábado passado dei um cordãozinho com dois nós na corrente para o meu pai desatar. Quando ele vem me visitar sempre encontra uma lista de coisas para fazer.
Estou aqui me lembrando da figura do meu pai à mesa da cozinha: cabeça baixa, concentrado, com uma agulha nas mãos e o meu cordão. Os dedos grossos mal conseguiam acertar os furinhos da corrente. As mãos trêmulas... Mas meu pai jamais me diria que não conseguiria.
Mãos grossas e unhas pretas. Meu pai foi mecânico. “Médico de carros”, diz ele toda vez que fala sobre o que se tornou quando a Escola lhe negou o sonho de ser médico.
Meu pai repetiu algumas vezes os anos de escola, e ao chegar à quarta série tinha muito o que fazer fora dela. Dono de um Cicle, meu avô precisava também dele para seguir com o trabalho. E a alegria de trabalhar com os irmãos e o pai e de logo aprender o prazer da motocicleta e, depois, do automóvel, não concorreu com a tristeza das notas baixas e dos evidenciados erros de português.
Só que alguma coisa de errado aconteceu nessa história. Foi meu pai quem tudo me ensinou nos meus anos de estudante. Desde aprender a ler e escrever (eu aprendi antes de entrar na escola) até as provas de geografia, física e história. Ah, lembro-me também de que foi ele quem me ensinou os advérbios de tempo, modo, lugar... E se foi por ele que aprendi o malabarismo de não deixar a escola negar os meus sonhos, como pode ele não ter chegado lá?
Eu acredito que, como diz Victor Paro, nós aprendemos apesar da escola, e não por causa dela. Meu pai hoje é um senhor de setenta e um anos. Inteligente, educado, íntegro, justo, honesto. Dono de valores que não aprendeu na escola e vejo muito pouco, hoje, a escola ensinar. Escreveu algumas palavras de forma errada. Desrespeitou alguns sinais de pontuação. Talvez não tenha respondido a tabuada na ponta da língua. E, por isso, recebeu da escola o pior castigo: a exclusão. Até hoje meu pai se lamenta de não ter seguido os estudos. Culpa-se.
Não sabe o meu pai o quanto é superior a tantos de nós, educadores, graduados. O quanto já era superior aos seus próprios professores. Tão menino e profundo conhecedor das traquinagens das bicicletas, motocicletas, automóveis. Meu pai sabe tudo: pinta, desenha, planta, canta, constrói, cozinha, costura, conserta, dirige. E sua escola não se curvou aos seus saberes. Muito pelo contrário: esticou-se tanto, tanto, que ele não conseguiu alcançá-la.
Alguns dirão: “pobre desse homem”. Pois insisto em dizer: pobre da escola de ontem que deixou nossos pais, avós e bisavós sem aquele maldito papel que legitima o saber que ela pensa que detém enquanto renega os muitos, tantos de seus educandos. E infinitas vezes mais pobre da escola de hoje, que ainda o faz.
Voltando à cena do cordão, depois de alguns minutos meu pai o entregou pra mim. Os nós? Desfeitos, revelando mais uma de suas tão desprezadas habilidades.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Quando o amor adormece

Chegou o dia! Você está pronta para aquele encontro tão esperado: as mãos transpirando, o corpo tremendo, a boca seca, e tudo o que tenta disfarçar seu corpo delata.
Pode passar o tempo que for, a gente nunca esquece as sensações do primeiro encontro. Tem gente que ainda se recorda – com riqueza de detalhes – da primeira troca de olhares...  Que coisa importante é o amor!...
... Até que adormece.
O cotidiano vai tirando a graça, porque ninguém mais faz questão de mantê-la. O óbvio se repete tanto que tudo se torna previsível e sem sal. Desgastado, o amor adormece.
Confusos, terminamos relacionamentos. Mas aí o coração grita, porque quer dizer que o amor está só dormindo, que é pra tentar acordá-lo (E é por isso que dói tanto terminar: porque o coração fica triste e ninguém quer saber de ouvi-lo nessas horas)... Mas a razão não permite e cala o coração: É o fim!
Até que o tempo passa e a gente reencontra aquele que um dia foi o nosso amor. E basta: lá estamos nós com as mãos transpirando, o corpo tremendo, a boca seca, e tentando disfarçar aquilo que o corpo delata.
Amor, amor, amor... Quisera saber dos truques para manter acesa a sua chama! Quisera livrar-me dos orgulhos que insistem em manter distâncias! Quisera saber as palavras certas para dizer nas horas certas! Quisera ter sua receita, pronta, para nunca mais errar!
Não podemos jamais nos esquecer de que adormecer o amor é tão simples quanto despertá-lo. Eis o enigma – indecifrável! – do qual deveríamos viver à procura para manter as pessoas que amamos com seus amores acordados sempre perto de nós. Porque, em minha opinião, só se pode ser feliz assim.

domingo, 4 de dezembro de 2011

04 de dezembro - Dia do Orientador Educacional

(Hoje é o Dia do Orientador Educacional!)

Muitas vidas salvas pelas mãos de vocês. Muitas vidas!
O menino que consegue dizer não à sedução fugaz das drogas, a menina que agora domina a rebeldia... Aquele adulto que voltou para a Escola depois de já ter quase desistido.
A mãe que aprendeu a lidar com o filho adolescente, o adolescente que já consegue conversar com o pai, os namorados que conhecem as causas e consequências dos seus atos de amor.
O aluno que finalmente é compreendido em seus limites na sala,  o Professor que já tem um parceiro em quem pode confiar, o funcionário que conhece seus direitos e não só os seus deveres...
São amplas as intervenções do Orientador Educacional na Escola. Tarefa árdua para quem escolheu esta profissão!
Parabéns para aquele que acredita no que faz, que resgata possibilidades onde o coração duro do outro já não as vê...
Abençoada opção de velar pela Educação de qualidade que transpassa os limites dos muros da Escola...
Cada vez que, nos meus vinte e sete anos de magistério, encontro uma Escola onde a presença do Orientador Educacional faz diferença – no melhor sentido da palavra! – orgulho-me de ser Educadora.
Salve 04 de dezembro! Deus abençoe a todos vocês.